quinta-feira, outubro 28, 2010

HERPETOLOGIA PARA POUCOS



Todo profissional brasileiro da área de ciências biológicas (e muitos de outras áreas), salvo que tenha passado o último meio século viajando por galáxias distantes, sabe quem é Paulo Emílio Vanzolini. Herpetologista (especialista em anfíbios e répteis), Paulo Vanzolini foi diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo de 1963 a 1993, tendo descrito várias espécies de lagartos e serpentes, e cujo acervo aumentou de pouco mais de mil para cerca de 230 mil espécimes. Também é o principal idealizador da ainda controversa Teoria dos Refúgios, que procura explicar a grande diversidade faunística das florestas tropicais. Também é conhecido pelas suas composições, especialmente sambas, dentre elas as célebres “Ronda” e “Volta Por Cima”. Além de um dos mais conhecidos e respeitados cientistas brasileiros, também é considerado um ícone da boemia paulistana.
Em 2003, às vésperas de Paulo Vanzolini completar 80 anos, foi publicada a antologia “Acerto de Contas”, compilação da essência da sua obra musical. Em 2009, é lançado o documentário biográfico “Um Homem de Moral”, do diretor Ricardo Dias. Mas este também apresenta ênfase no seu lado compositor, acima até mesmo da sua personalidade.
Faltava mesmo uma obra que abordasse exclusivamente o Vanzolini cientista. E esta acaba de chegar. Já aviso o leitor, contudo, que a notícia não é de todo boa. Lançado na última sexta feira, dia 15, o enorme volume “Evolução ao Nível de Espécie – Répteis da América do Sul” reúne, na íntegra, todos (isso mesmo, todos) os artigos científicos de Paulo Vanzolini, em 704 páginas, perfazendo um período que vai de 1947 a 2004. A obra traz ainda um CD com a centena de artigos que completam a sua produção científica. Sem dúvida essencial para qualquer pesquisador, estudante ou apreciador do gênero.
Mas nem tudo são flores. A qualidade indiscutível da obra, bem como a sua importância para quem quiser pesquisar tanto a carreira de Vanzolini quanto a sua contribuição para a ciência brasileira vem acompanhada de duas características nada amistosas. A primeira é o preço salgado (R$ 120,00). A segunda é que a sua distribuição ficou bastante restrita, sendo praticamente impossível encontrá-la fora dos canais Fapesp.
Infelizmente, não é de hoje que isso acontece. A produção especializada de determinadas áreas científicas dificilmente chega às grandes livrarias no Brasil. Também sabemos que, em se tratando de bibliotecas, jamais chega às unidades públicas comuns, permanecendo naquelas dos seus cursos correspondentes das grandes universidades. Isso é um resquício do pensamento colonial de que conhecimento científico deva ficar guardado com os cientistas, pois a população leiga não saberia tirar proveito do mesmo. Ledo engano. Isso é subestimar a inteligência do indivíduo. Desta maneira, fica muito difícil para um professor de educação fundamental (que em geral recebe um salário vergonhoso e trabalha em condições precárias) ter acesso aos trabalhos que julga importante. E é mais difícil ainda para uma nação habituada a várias gerações de governo de pão e circo gostar de ciência, se ela não consegue ter acesso à produção científica do seu próprio país. A ciência brasileira é de fato um conhecimento livre, mas está longe de chegar igualmente a todos. Coloque nas mãos de um aluno um trabalho especializado sobre aquilo que ele gosta (não importa a profundidade com o qual o mesmo é tratado) e se surpreenderá. Sei disso não apenas por ter observado este fato em alguns dos meus alunos, mas também por eu mesmo ter sido esse tipo de aluno. Quem pensa que o “beabá” da ciência dos primeiros anos de escola é mais que suficiente para quem ainda não chegou às cadeiras da universidade, não faz jus ao diploma que possui; ainda mais se ostenta o título de professor. Depois reclamam do ensino de ciência básica no nosso país.

Organizador: Editora Beca
Autor: Paulo Emílio Vanzolini (textos)
Editora: Beca/Fapesp
Edição: 1
Páginas: 704
Idioma: português
Preço: R$ 120,00 em média

terça-feira, outubro 26, 2010

SOBRE FALÁCIAS

Adaptado do original de Guilherme Magalhães Gall

É muito comum ocorrerem debates entre posições antagônicas, como crentes e ateus ou adeptos de determinadas ideologias políticas. Hoje em dia, tornaram-se ainda mais comuns debates entre antagonistas bem menos óbvios, como religiosos fanáticos e cientistas (lembrando sempre que a maior parte da comunidade científica não é atéia), vegetarianos e consumidores de carne, ou mesmo entre cientistas e defensores de pseudociências (áreas que se dizem muitas vezes científicas, mas que sequer fazem uso do método científico para corroborar suas hipóteses). Comum também é o fato desses debates serem repletos de falácias cometidas pelos não cientistas. Os ateus também cometem falácias algumas vezes, mas isso é bem raro, pois a própria postura racional adotada por eles não permite que conclusão alguma seja apoiada em argumentos falaciosos.
Existem muitos artigos na Internet visando à apresentação dos diversos tipos de falácias (veja a definição abaixo), mas todos eles são grandes demais para serem lidos rapidamente e geralmente não são lidos por completo. Nesses textos os diversos tipos de falácias são apresentados por nomes em latim. Neste artigo, os nomes em português são apresentados primeiro (se existirem) e entre parênteses é apresentado o nome em latim (se existir). Longe de pretender-se uma referência no assunto, o presente texto visa apenas apresentar as 14 falácias mais cometidas pelos não cientistas em debates com profissionais da ciência, para permitir que a troca de idéias entre eles seja feita de forma racional e lógica sem que nenhuma das partes tenha que ler textos enormes sobre lógica e argumentos falaciosos.

O que é uma falácia?
A palavra falácia é utilizada no português diário para designar qualquer tipo de falsidade ou crença falsa, que ilude. Na lógica o significado da palavra é um pouco mais específico. Em lógica uma falácia é um argumento ou raciocínio concebido com o objetivo de produzir a ilusão da verdade, que, embora simule um acordo com as regras da lógica, apresenta, na realidade, uma estrutura interna inconsistente, incorreta e deliberadamente enganosa.
Fonte: Dicionário Houaiss.

Concluímos então que as falácias devem ser evitadas a todo custo para manter o nível racional e lógico da discussão ou debate em andamento.
Existem vários tipos de falácia. Os mais cometidos pelos fanáticos religiosos, pseudocientistas e similares em discussões são, em ordem decrescente de cometimento:

1. Inversão do Ônus da Prova
O fardo da prova sempre está em quem está afirmando algo. A inversão de ônus da prova consiste em transmitir a responsabilidade de provar algo para quem duvida desse algo. A fonte da falácia é a pressuposição de que algo é verdadeiro até que se prove que é falso. Nota-se com isso que essa falácia nada mais é do que um tipo mais específico de Argumentum ad Ignorantiam (vê-se a definição mais abaixo). Por exemplo:

"Você é ateu, certo? Mas baseado em que você afirma isso se você não provou que Deus não existe?"

Veja que aqui quem tem que provar a existência de divindade(s) é o crente que defende sua existência. Da mesma forma que é impossível provar que deus não existe, é impossível provar que não existam minhocas com poderes psíquicos no solo de Júpiter; dada a impossibilidade de se provar a inexistência de qualquer coisa. Simplesmente não existe prova da inexistência o que existe (ou não) é prova de existência.

2. A Evidência Anedótica
Uma das falácias mais simples é também uma das mais cometidas. Vejamos dois exemplos:

"Claro que Deus existe e que continua realizando milagres até hoje. Eu sou um exemplo disso: meu primo estava doente, quase morrendo. Levei a família toda para rezar e ele se curou em pouco tempo."

“Os diversos relatos de abduções provam que seres extraterrestres estão visitando a Terra já há bastante tempo.”
É válido ilustrar um ponto qualquer com uma experiência vivida por alguém, mas descrições de tais experiências não provam nada a ninguém. Você pode alegar que se encontrou com Machado de Assis ontem para seus amigos, porém a descrição da sua experiência não será suficiente para provar para eles que a alegação de que Machado de Assis está vivo é verdadeira.
Evidências anedóticas são muito eficientes para apoiar argumentos para uma platéia que quer acreditar no que está sendo dito. Essa tática é constantemente utilizada por líderes religiosos que desejam "salvar as ovelhas que estão se desgarrando do rebanho" ou por pseudocientistas para fazer situações imaginárias parecerem reais, mas é completamente ineficiente com um cético. Ainda assim é bastante utilizada em discussões sobre a (in) existência de uma divindade* ou de fenômenos sobrenaturais.

3. A Falácia do Espantalho
A falácia do espantalho consiste em deturpar um argumento exposto ou um conceito para que esse argumento ou conceito fique mais facilmente atacável. Esse argumento aparece em debates entre cientistas e fanáticos religiosos quase que constantemente. Veja um exemplo:

"A Teoria da Evolução é falsa porque contraria a Segunda Lei da Termodinâmica. Ela diz que o nível de desordem de um sistema nunca pode diminuir, logo um ser complexo como um humano não pode ter vindo de um simples ser unicelular primitivo menos organizado."

Essa falácia é a mais difícil de ser detectada quando não temos conhecimento sobre o conceito ou argumento que foi deturpado. Note que a citação deturpa a Segunda Lei da Termodinâmica afirmando que o nível de desordem (entropia) de um sistema só pode aumentar, quando na realidade ela pode diminuir se o sistema em questão for um sistema termodinamicamente aberto (como o planeta Terra). O que a Lei diz na realidade é que em um sistema termodinamicamente fechado (como o universo) a entropia sempre aumenta. Como a Terra é um sistema aberto podemos dizer que o nível de desordem nela pode diminuir. Assim a Teoria da Evolução não pode ser derrubada pela Segunda Lei da Termodinâmica, porque elas nem ao menos entram em conflito.
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4. Apelo à Autoridade (Argumentum Ad Verecundiam)
Defender uma proposição com o fato de que uma pessoa com prestígio também a defende caracteriza a falácia de apelo à autoridade. Por exemplo:

"Einstein era um gênio e acreditava em Deus. Você se acha mais inteligente que ele para não acreditar?"

Sem entrar no mérito de que Einstein nunca misturava sua fé com suas teorias científicas; podemos derrubar esse argumento falacioso demonstrando que pessoas são passíveis de erros, sendo ou não famosas. Veja que existe uma diferença entre defender determinada posição com base na posição de alguém com prestígio e reforçar seu argumento com a opinião de quem realmente entende do assunto em discussão. Veja essa diferença abaixo:

"O famoso biólogo Richard Dawkins diz ser impossível a fabricação de navios mais rápidos do que os que existem hoje nos EUA." (Dawkins é biólogo e embora seja famoso não tem credibilidade suficiente para falar de engenharia naval).

"Hawking concluiu que os buracos negros desprendem radiação." (Stephen Hawking é físico teórico e foi o autor da Teoria dos Buracos Negros, portanto concluímos que suas posições a respeito do assunto sejam informadas. Veja que ainda assim ele é passível de erros.)
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5. Falsa correlação entre causa e efeito (Post Hoc Ergo Propter Hoc)
Consiste em afirmar que um evento é causado por uma suposta causa, só porque essa suposta causa ocorreu antes do evento. Na realidade é só um tipo específico de Non Causa Pro Causa (definição mais abaixo). Tanto que "post hoc ergo propter hoc", significa nada mais que "depois disso, logo, por causa disso". Exemplos:

"Tomei remédios homeopáticos para curar minha gripe e após uma semana minha gripe desapareceu."

"O número de crimes cometidos dentro dos presídios aumentou com a diminuição do catolicismo entre os detentos, logo, a diminuição do catolicismo entre os presos causou um aumento na criminalidade."

“Depois que a minha tia mudou o número da sua casa, orientada pela numerologia, sua vida só fez melhorar.”

6. Ataques Pessoais (Argumentum ad Hominem) - Parte A
Essa falácia consiste em atacar quem está argumentando algo, não o argumento em si. Pode-se atacar desde o caráter de quem afirma (em sua forma mais comum) até sua nacionalidade, raça ou mesmo condição física (em casos extremos, observados com maior freqüência na Web). Manifesta-se de formas diversas, vamos ver quais são elas:

1.Abusiva
Quando se ataca o argumentador e não a argumentação proferida por ele, se caracteriza um ad Hominem abusivo. Por exemplo:

"Você afirma que não existe relação entre moral e religiosidade, mas eu descobri que você é ateu e que bate nos seus filhos."

Uma forma menos aparente de ad Hominem abusivo é alegar que o argumento proferido por alguém também foi proferido ou poderia ser proferido por alguém facilmente criticável. Exemplo:

"Você acha que o Estado deve ter plenos poderes? Hitler teria concordado com você."

2.Circunstancial
Mostrar circunstâncias particulares do argumentador para tentar derrubar seu argumento caracteriza um Argumentum ad Hominem circunstancial. Por exemplo:

"Claro que você não quer contribuir com o Greenpeace, você é dono de uma madeireira!"

Ataques Pessoais (Argumentum ad Hominem) - Parte B
3. Tu quoque
Quando se diz que um argumento é falso só porque o argumentador atacado não pratica o que afirma tem-se aí outro tipo de Argumentum ad Hominem. Veja o exemplo:

"Você sempre disse que beber faz mal à minha saúde. Mas ontem eu vi você bêbado naquela festa!"

Esses são os três tipos mais comuns de Argumentum ad Hominem (ataques pessoais) e funcionam muito bem quando se está diante de espectadores de posição contrária ao argumentador atacado. Se você está debatendo com um criacionista que está sendo ouvido por vários outros criacionistas é bem provável que ele cometa alguns ataques pessoais, não necessariamente com o objetivo de derrubar seu argumento, mas sim com o objetivo de atrapalhar a sua argumentação para que você tenha dificuldades em transmitir suas idéias de forma adequada. É importantíssimo demonstrar que a veracidade de um argumento não depende de quem defende esse argumento.
Evidentemente se um argumentador de credibilidade duvidosa defender algo, teremos mais chance de estar diante de um argumento falso, mas isso não necessariamente prova que seus testemunhos são falsos.

7. Apelo à Antiguidade (Argumentum ad Antiquitatem)
Essa é a falácia de afirmar que uma idéia ou conceito é certo, simplesmente por ser antigo. Algo como "sempre foi e sempre será assim". Veja o exemplo para entender melhor:

"O cristianismo é a religião mais correta porque é a mais antiga de todas. Você acha que se ela fosse falsa, teria tantos seguidores quanto tem até hoje?"

Não entrarei aqui no mérito do cristianismo não ser a religião mais antiga. Importante é perceber que nem sempre esse tipo de falácia é facilmente identificável como foi demonstrada na citação acima. Ela pode aparecer de forma um pouco mais convincente e por isso, passar despercebida. E lembremos que coisas como o estupro, as guerras e a escravidão são de fato muito antigas – realmente milenares.

8. Apelo à Ignorância (Argumentum Ad Ignorantiam)
Consiste em afirmar que alguma coisa é verdadeira só porque ainda não foi provado que é falso. O contrário também é considerado falácia (afirmar que algo é falso só porque ainda não foi provado que é verdadeiro). Note que há uma diferença em assumir (para assumir algo, não necessariamente precisamos de provas) que algo é falso até que seja provado que é verdadeiro. Juridicamente, por exemplo, você é considerado inocente até que seja provada sua culpa. Exemplos:

"Claro que a bíblia é verdadeira. Ninguém pode provar de outra maneira, pode?"

“Você não tem como me provar que aquele óvni não era uma nave espacial alienígena.”

Outra falácia que inserida no contexto da discussão pode passar despercebida, por isso, cuidado para não aceitar isso para comprovar uma conclusão.

9. Apelo à Força (Argumentum ad Baculum)
Essa falácia recorre ao medo da força (ou ameaça dela) para forçar as pessoas a aceitar um argumento. Muito utilizado por religiosos que querem persuadir uma pessoa que começa a questionar os dogmas de sua seita. Veja um exemplo:

"Claro que a bíblia é verdadeira. Aqueles que não aceitam isso sofrerão para sempre no inferno."

A ameaça pode vir de quem está argumentando ou não. No exemplo acima a ameaça não vem necessariamente do argumentador, mas sim da possibilidade de "sofrer eternamente no inferno".

10. Apelo aos Números (Argumentum ad Numerum)
Consiste em afirmar que quanto mais pessoas concordam com uma afirmação, mais verdadeira será essa afirmação. Por exemplo:

"A grande maioria da população brasileira tem religião. Sugerir que a religiosidade é prejudicial frente a essa evidência é ridículo."

11. Apelo ao povo ou "à galera" (Argumentum ad Populum)
Apelar para um grande número de pessoas para ganhar a aceitação de uma proposição caracteriza "apelo à galera" ou Argumentum ad Populum. Perceba que essa falácia está tão relacionada com a Argumentum ad Numerum que chega a ser difícil distingui-las em alguns casos:

"Por vários anos as pessoas aqui presentes acreditaram em Jesus Cristo e na Bíblia e isso provocou grandes mudanças nas suas vidas. Você está por um acaso afirmando que essas pessoas são tolas iludidas?"

Lembrando que essa falácia só "funciona" caso exista uma "platéia" com mesma opinião do argumentador falacioso.
Em um debate é importante mostrar que só porque algo é defendido por muitos, não necessariamente esse algo é verdadeiro. Exemplo disso é que por muito tempo as pessoas acreditavam que o planeta Terra era plano e estático no centro do Sistema Solar. Isso não fez com que essa posição se tornasse verdadeira, fez?

12. Argumentum ad Lazarum
Essa é a falácia de afirmar que alguém pobre é mais virtuoso ou mais acreditável do que alguém mais rico. Por exemplo:

"As freiras que escolheram viver em conventos compreendem melhor a vida, porque abriram mão das tentações provocadas pelos prazeres da riqueza."

13. Repetição exaustiva de afirmação (Argumentum ad Nauseam)
Baseia-se na idéia incorreta de que algo será mais verdadeiro se repetido exaustivamente. Essa falácia então simplesmente baseia-se em repetir diversas vezes a mesma coisa, até que a "vítima" fique cansada de ouvir. Muito utilizada por alguns pregadores, geralmente sob a forma de gritos e acompanhada de grandes gestos teatrais.

14. Non Causa Pro Causa
Ocorre quando alguma coisa é identificada como a causa de um evento, mas não existe prova de que essa coisa é a real coisa causadora do evento ou a única coisa causadora do evento. Por exemplo:

"Tomei uma aspirina e rezei o terço, aí minha dor de cabeça desapareceu completamente. Logicamente a minha oração foi ouvida por Deus, logo Deus existe."

Note que não ficou provado o que fez a dor de cabeça desaparecer. Pode ter sido a oração, a aspirina, ou ambos; portanto, a afirmação anterior não comprova a existência de divindade* alguma.

* a palavra divindade foi aqui utilizada como um sinônimo de deus. Deus não foi utilizado no artigo, porque alguns entendem a palavra como designadora do deus judaico-cristão ou Jeová. Para não excluir nenhum dos milhares de deuses adorados pelo mundo essa palavra não foi utilizada.

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Fontes consultadas pelo autor do original:

http://www.infidels.org/news/atheism/logic.html

http://www.str.com.br/Scientia/falacias.htm

http://www.str.com.br/Scientia/falacias2.htm

Dicionário Houaiss

Darwin Magazine

quinta-feira, outubro 21, 2010

PARA QUEM NÃO VIU

Neste começo desta madrugada, Jô Soares entrevistou em seu programa o médico veterinário e diretor do Instituto Baleia Jubarte, Milton Marcondes. O enfoque da entrevista foi o encalhe de cetáceos e suas possíveis causas. Só este ano mais de 70 baleias morreram encalhadas na costa brasileira. Extremamente didático e esclarecedor. Vale a pena conferir.

Parte 1:









Parte 2:





quarta-feira, outubro 20, 2010

CARNIVORISMO E VEGETARIANISMO NA ESPÉCIE HUMANA

Baseado em material originalmente publicado pelo autor em 2007.



Caçadores Massai na Tanzânia.


O vegetarianismo sempre fora defendido por uma parcela da humanidade. Um acentuado crescimento no número de adeptos dessa opção alimentar, bem como o aparecimento pela primeira vez de uma campanha organizada a favor da mesma deu-se durante a onda do "paz e amor" dos anos 1960. Percebe-se hoje um novo crescimento do número de pessoas seguidoras de uma alimentação vegetariana. As razões são as mais diversas. Alguns defendem uma dieta de vegetais por questões de saúde ou apenas para evitar os efeitos colaterais oriundos do consumo de carne. Outros optaram por apenas não ingerir carne vermelha, mais rica em gordura. Outros ainda, conhecidos como ovolactovegetarianos ou ainda pejorativamente como “pseudovegetarianos”, resumem sua nutrição de origem animal a ovos, leite e, em alguns casos, também peixes. Há quem defenda o boicote total ao consumo de carne pelo fato de boa parte das áreas desmatadas do planeta ser destinada à pecuária, configurando assim uma forma alternativa de militância ecológica. Há aqueles que não ingerem carne (qualquer uma ou apenas de um determinado tipo) por motivos de origem religiosa. E há ainda os chamados vegans, que são totalmente vegetarianos, abolindo da sua alimentação qualquer produto de origem animal, incluindo leite, queijo e ovos.
Algo que vem chamando a atenção nestes últimos anos, contudo, é o crescimento daquela parcela mais radical de vegetarianos. Em sua maioria constituída por adeptos de um autêntico fanatismo vegan, que adotaram como bíblia o propositalmente chocante Libertação Animal (2004, com nova edição recém lançada no Brasil) do filósofo australiano Peter Singer, e tendo como uma de suas maiores representantes a organização não governamental P.E.T.A. (
People for the Ethical Treatment of Animals), estes indivíduos defendem, entre outras idéias, que o ser humano deveria parar de ingerir carne por ser um animal naturalmente herbívoro. Na ânsia de defender os animais, misturam conceitos e situações, fazendo uso de tais argumentos para condenar quaisquer tipos de execução animal, inclusive as destinadas à alimentação. Como não poderia deixar de ser, também são contrários a todo tipo de trabalho científico envolvendo animais. Tal militância anencéfala e fundamentalista eu deixarei para comentar num texto futuro, para não fugir do assunto deste.
Mas seria isso verdade? Seria o Homo sapiens um animal realmente herbívoro? E mesmo que não o fosse, poderíamos viver sem nos alimentarmos de carne, tendo uma dieta exclusivamente vegetariana?
Para respondermos a estas e outras questões pertinentes precisamos, primeiramente, olhar para a natureza. E este é um daqueles casos em que a teoria da evolução das espécies ajuda a esclarecer alguns pontos, como via de regra ocorre nas ciências biológicas.
Um dos principais argumentos dos defensores de um total vegetarianismo humano é o de que, anatomicamente, seriamos muito mais parecidos com um mamífero herbívoro como uma vaca, que com um carnívoro como um cão. Nosso intestino é longo, ao contrário do intestino curto dos mamíferos carnívoros; que é adaptado para uma digestão rápida de proteína animal. Possuímos glândulas salivares bem desenvolvidas, ao contrário dos carnívoros. E apresentamos glândulas sudoríparas, por onde transpiramos; enquanto os carnívoros transpiram pela boca. Esta postura, além de extremamente simplista e tendenciosa, é totalmente reducionista, pois tende a enxergar os mamíferos como sendo exclusivamente carnívoros ou herbívoros. Acaba esquecendo-se (ou ignorando propositalmente) aquelas espécies que ingerem tanto matéria de origem animal quanto vegetal: os onívoros. Ursos, porcos, gambás, ratos, guaxinins, tatus e a maior parte dos macacos são animais onívoros. Só isso já bastaria para derrubar o argumento frágil do "ou se come carne ou se come vegetais".
E só para adicionar mais um ponto polêmico à questão: os suóídes (porcos e seus parentes, representados atualmente pelas famílias
Suidae e Tayassuidae) são animais onívoros, dotados de um longo trato digestório e totalmente desprovidos das tão citadas glândulas sudoríparas; motivo pelo qual tomam banhos freqüentes de lama para refrescar seus corpos. Isso mostra que os militantes da causa "carnívoros X herbívoros" não precisam ir a nenhuma floresta tropical ou savana africana para ver suas "justificativas" derrubadas. Basta olharem para os porcos. Algumas espécies como o javali (Sus scrofa) euro-asiático e o queixada (Tayassu pecari) sul-americano podem ter entre 5 a 7% da sua dieta composta de matéria de origem animal. O mesmo vale para o chimpanzé (Pan troglodytes), nosso parente vivo mais próximo, onde alguns grupos possuem indivíduos especializados em caçar pequenos mamíferos, especialmente roedores e macacos menores. O babuíno dourado (Papio cinocephalus) apresenta até 12% da sua dieta composta por proteína animal. Seus longos e assustadores caninos, aliados aos dedos fortes, se tornam armas mortais na caça de aves e pequenos mamíferos (incluindo pequenos macacos e filhotes de gazela). Mas os mais carnívoros dos primatas formam uma família que surpreenderia muita gente:  Callitrichinae , os pequenos conhecidos como saguis ou micos (na qual estão incluídos também os micos-leões), nativos da América do Sul. Esses animais tem cerca de 50% da sua ieta baseada em proteína animal (geralmente insetos, ovos, e pequenos pássaros).
Outro tópico importante para elucidar este assunto está relacionado ao que a ciência descobriu até hoje sobre a evolução humana. Para abordá-lo, vamos voltar no tempo até cerca de quatro milhões de anos. Nesta época caminhavam pelas savanas e florestas da África os mais antigos ancestrais do Homo sapiens. Totalmente bípedes, receberam a denominação de Australopithecus e se dividiam em várias espécies. Ao contrário do que mostra o senso comum, onde uma espécie de hominídeo daria origem a uma nova, extinguindo-se logo em seguida, as primeiras espécies da nossa família eram relativamente numerosas e algumas sobreviveram por um longo tempo, chegando a conviver com os primeiros humanos propriamente ditos (gênero Homo). Uma idéia de como deve ter sido tal convívio pode ser vista no início do filme A Guerra do Fogo (1981), um dos raros retratos cinematográficos cientificamente honestos da pré-história humana. A origem do bipedalismo na família dos hominídeos ainda é objeto de muita discussão entre os paleoantropólogos. Existem nada menos que cerca de 60 modelos diferentes que tentam explicá-la. Três ou quatro deles gozam de maior fama no meio acadêmico, mas nenhum se sobressai do ponto de vista teórico, já que todos apresentam problemas semelhantes no que diz respeito a lacunas e número reduzido de evidências. Independente disso é sabido que essa postura favoreceu a mudança da vagina da fêmea para uma posição mais ventral, terminado por estreitar o canal vaginal, o que poderia esmagar o filhote durante o parto. A solução encontrada pela evolução foi dar a luz a bebês menos desenvolvidos, inclusive com um cérebro muito menor em comparação ao dos outros primatas recém-nascidos. No entanto, um cérebro prematuro tem maiores chances de alcançar um tamanho maior, bem como uma maior complexidade ao desenvolver-se (veja meu texto Coração de Criança, de 12 de outubro). Pesquisadores como os norte-americanos Willian R. Leonard da Northwestern University, Dean Falk da State University of New York e o brasileiro Walter Neves da Universidade de São Paulo (de quem este que vos escreve teve o privilégio de ser aluno) defendem que o bipedalismo também possibilitou outro passo importante no aumento do volume cerebral. Segundo estes cientistas, a postura bípede permitiu o resfriamento do sangue craniano, diminuindo a pressão sobre o encéfalo. Este fator, aliado a neotenia (ver Coração de Criança), fizeram o cérebro hominídeo crescer. Pra se ter uma idéia, o cérebro humano possui em média 1.500 cm cúbicos, em comparação aos 500 cm cúbicos da maioria dos australopitecos e do chimpanzé moderno.
O que pouca gente sabe é que um cérebro tão grande consome muita energia. Um humano adulto tem cerca de 20 a 25% das suas necessidades energéticas provindas do cérebro, comparando com os 8 a 10 % dos antropóides (grandes macacos como o chimpanzé e o gorila) e os 3 a 5% dos outros mamíferos. Essa energia é medida em kilo-calorias (Kcal). A média do consumo energético do cérebro humano equivale à cerca de 2.000 Kcal diárias. Estudos em nutrição já deixaram bem claro que os alimentos de origem animal não apresentam todos os nutrientes necessários para suprir as necessidades do organismo humano. Por esse motivo a espécie não é completamente carnívora. No entanto, o alimento de origem animal (especialmente a carne) é mais rico em proteína e algumas vitaminas que qualquer matéria de origem vegetal, por conseqüência disso apresentando maior teor calórico (Kcal), ou seja, maior valor energético. Por exemplo, 100g de carne geram mais de 200Kcal, enquanto a mesma quantidade de frutas gera entre 50 a 100 Kcal, e a mesma quantidade de vegetais folhosos apenas entre 10 e 20 Kcal. Logo, os mais capazes dentre nossos ancestrais sobreviveram porque conseguiram manter um cérebro tão grande e dispendioso, consumindo alimentos mais calóricos. Este alimento só estava disponível em quantidade suficiente e que pudesse ser ingerido em tão pouco tempo na proteína animal. Não obstante, o cérebro mais calórico podia aumentar ainda mais as superfícies neurotransmissoras, como a do córtex. Ou seja, o consumo de carne foi, ao lado do bipedalismo, essencial para a evolução humana.
Algumas espécies de australopiteco mantiveram uma alimentação principalmente vegetariana, o que pode ser percebido pelo crânio e dentição das mesmas. Grandes molares e músculos mastigadores possantes mostram que espécies como o
A. boisei ingeriam principalmente frutas e vegetais fibrosos. Já os molares menores e a mordida mais fraca denotam que espécies como o A. afarensis (um dos nossos ancestrais diretos mais antigos) mantinham uma dieta que combinava frutas com proteína animal. Estes últimos sobreviveriam às intempéries do tempo e do ambiente (a savana africana nunca foi dos biomas mais ricos em vegetação comestível), enquanto os mais vegetarianos acabariam por se extinguir, sem deixar qualquer tipo de descendência.
Aproveito para incluir aqui uma observação. Defensores do vegetarianismo adeptos de determinadas formas de fé argumentam que o aumento da massa encefálica e, por vezes (pasmem!), até a alteração da estrutura craniana na família dos hominídeos se deve na verdade ao consumo ritual de determinados tipos de planta. Sem entrar no mérito de que os “autores consagrados” de tais afirmações não são necessariamente especialistas em fisiologia ou neuroanatomia, as mesmas constituem nada mais que uma tentativa desesperada de encontrar justificativas materiais para algo em que se quer acreditar. Primeiramente, muitas dessas plantas não são ingeridas, mas sim fumadas ou mascadas, o que por si só já invalida tal possibilidade. E mesmo aquelas que são ingeridas (geralmente sob a forma de chá), jamais seriam capazes de tal alteração, pois como já vimos, seu valor calórico é muito baixo. Em segundo lugar, sabe-se que o consumo de plantas rituais é coisa recente na história dos hominídeos, justamente por estar diretamente ligado às expressões de fé, desconhecidas antes do Homo heidelbergensis (cujos fósseis mais antigos datam de 300.000 anos). E por último, mas não menos importante, é sempre bom lembrar que nenhuma substância conhecida na natureza pode, se ingerida, alterar a anatomia dos ossos do crânio ou de qualquer outro osso. Esta é realmente uma idéia digna dos contos fantásticos mais bizarros. Em suma, tal argumento trata-se apenas de mais uma maneira de se depreciar o consumo de proteína animal.
Uma característica da espécie humana que sobrevive atualmente e que constitui uma prova não apenas de que a mesma pode ingerir carne, como também que teve neste alimento um fator essencial para o seu próprio surgimento; é a facilidade com que o nosso corpo retém gordura. E boa parte dela está depositada sob a pele E assim como no caso dos porcos, não precisamos ir muito longe para se notar tal característica fisiológica. Todo aquele que já ganhou um peso extra, sabe como é difícil perdê-lo, ao mesmo tempo em que é relativamente fácil obtê-lo. Nossos ancestrais não tinham hoje a mesma facilidade que temos para obter proteína animal para sua alimentação. Portanto, qualquer carne ingerida pelo organismo tinha parte das calorias retidas para um provável período de escassez. Mantemos ainda hoje esta característica. A diferença é que hoje em dia ingerimos muito mais calorias. Entre os outros mamíferos a gordura subcutânea só foi observada em espécies marinhas como baleias e focas, e mesmo assim com uma finalidade bem diferente: ela funciona como isolante térmico nas águas frias do seu habitat.
E para quem ainda não está convencido de que o ser humano e seus parentes tinham e ainda tem na carne parte importante da sua alimentação, cabe lembrar outro exemplo pré-histórico. O Homem de Neanderthal (
Homo neanderthalensis), um hominídeo contemporâneo dos primeiros Homo sapiens e que por muito tempo pensou tratar-se de um ancestral nosso (descobertas posteriores, incluindo a verificação do DNA mitocondrial, mostraram que na verdade provavelmente ele e a nossa espécie evoluíram separadamente de um ancestral comum), tinha uma dieta composta de 90 a 95% de carne. Tal fato pode ser observado no trabalho realizado no começo da década pela equipe de pesquisadores liderada por Michael Richards (na época, professor da Universidade de Bradford), que mediu a concentração de isótopos de carbono (13C) e nitrogênio (15N) em ossos de neanderthais de 29 mil anos; mostrando que na parte protéica dos ossos (o colágeno) destes hominídeos, tal concentração era comparável a dos grandes predadores. Outro detalhe importante: a massa encefálica de um Homem de Neanderthal é proporcionalmente maior que a de um humano moderno de mesma estatura. Eles eram bem adaptados ao clima frio e tudo indica que também eram exímios caçadores. O desaparecimento de suas grandes presas, como mamutes e mastodontes, provavelmente foi uma das causas da sua extinção. Um dos motivos da vitória do Homo sapiens foi justamente a sua maior versatilidade.
Mas, já que a carne é tão importante para a espécie humana, podemos viver sem ela? A resposta é... sim. É até mesmo possível ser totalmente vegetariano e ter uma alimentação saudável. De fato, há pessoas que vivem muito bem mantendo esse tipo de dieta. Isso porque os vegetais apresentam todos os nutrientes necessários ao organismo humano. Grãos ricos em proteínas, como feijão e soja, são ótimos substitutos para a carne, que é apenas mais calórica. Isso explica porque as dietas para emagrecer geralmente são ricas em vegetais, especialmente fibras. Contudo, cautela é essencial, uma vez que também há uma minoria dentre nós que não pode viver sem carne. A biologia ensina que, na natureza, toda regra tem sua exceção. Somente um especialista em nutrição pode prescrever uma dieta adequada para cada indivíduo.
A dieta da espécie humana varia muito de um lugar para outro. Os agricultores dos Andes peruanos mantém cerca de 95 % de sua alimentação a base de vegetais, enquanto os caçadores-coletores Kung de Botsuana consomem aproximadamente a mesma porcentagem em proteína de origem animal. Isso está diretamente ligado à oferta ambiente. Curiosamente, grandes sociedades industriais como as metrópoles dos Estados Unidos e do Brasil apresentam altos índices de colesterol e obesidade (mais de 50% dos norte-americanos e cerca de 40% dos brasileiros apresenta sobrepeso, sendo que boa parte destes já é considerada obesa) apesar do consumo de proteína animal não exceder a média de 60% da sua dieta. Isso se deve à razão entre o que se consome e a energia gasta. Hoje em dia, a vida nas grandes cidades possui uma série de confortos que torna o esforço físico mínimo. Nossos antepassados não apenas ingeriam menos calorias, devido à dificuldade em encontrá-las, como passavam boa parte do tempo gastando-as, fosse à procura de alimento, fosse lutando ou fugindo de predadores. Tribos como os caçadores de Botsuana e da Tanzânia, bem como alguns índios do continente americano, ainda vivem desta forma. Isso explica o fato da obesidade nestes povos ser extremamente rara. E quando aparece quase sempre ela é decorrente de fatores genéticos ou hormonais. Nas grandes cidades consome-se muita caloria e geralmente se gasta pouco. Daí os altos índices de excesso de peso e problemas decorrentes do mesmo. Mais uma vez, ao contrário do que os fanáticos vegetarianos pregam, não é necessariamente a carne que engorda, mas sim o sedentarismo aliado a uma dieta desbalanceada.
Em contrapartida à onda vegetariana, levantou-se recentemente uma pequena legião de defensores do consumo de carne. A mais conhecida no Brasil talvez seja o Instituto Pró-Carne, que já tem até propagandas nos vagões do metrô. Sob a justificativa de que o consumo de carne seria "saudável" e "natural", este grupo tenta incentivar de todas as maneiras o consumo de proteína animal. Na verdade, seus reais objetivos nada têm a ver com a saúde da população. O Instituto Pró-Carne é um grupo criado e apoiado por grandes pecuaristas, que viram no aumento do número de brasileiros vegetarianos uma ameaça aos seus lucros. Entre muitas de suas alegações absurdas, estão algumas já bem famosas; como a de que crianças que não ingerem carne desenvolveriam menor QI (dita pelo pecuarista Carlos Viacava que, é sempre bom frisar, não possui nenhuma formação científica) e a de que o gado bovino é criado em pastos, "em harmonia com a natureza". Qualquer indivíduo medianamente informado sabe que pasto não é natureza, já que surge na grande maioria das vezes como conseqüência do desmatamento de ecossistemas naturais.
Como se pode perceber, é perfeitamente possível ter uma alimentação saudável sendo vegetariano. Mas isso de modo algum significa que o ser humano seja herbívoro. Estamos entre as muitas espécies de mamíferos aptas a ingerir matéria tanto de origem animal quanto vegetal.
A defesa dos direitos dos animais é algo digno e necessário. É muito importante ajudarmos quem não pode pedir socorro. É verdade que certos alimentos de origem animal como o foue graz e a carne de vitela são obtidos utilizando-se métodos com requintes de crueldade. Também é verdade que a pecuária é a maior responsável pelo desmatamento em boa parte do mundo. Mas daí partir para a defesa de um restritivo herbivorismo humano sem qualquer respaldo científico é extremismo. E todo extremismo nada mais é que pura insensatez. Infelizmente, a maioria dos autointitulados defensores dos animais demonstra que não sabem nada sobre os mesmos. Eles ainda precisam estudar muito. Um triste paradoxo.

sexta-feira, outubro 15, 2010

AUMANACK

O site Aumanack – Diversão Sem Limite é um canal de comunicação e divulgação para os fãs de cinema, história em quadrinhos, literatura fantástica, seriados e temas afins. Mantido há seis anos pelo casal Alan Uemura e Surya Bueno, o Aumanack é um projeto feito por e para o denominado público nerd – do qual este que vos escreve também faz parte.
Há alguns meses fui convidado por estes meus amigos a integrar o quadro de colaboradores do Aumanack, o que aceitei com grande prazer. Lá escreverei principalmente sobre quadrinhos e RPG, assuntos que não abordo neste blog. A minha primeira contribuição foi um texto com minhas impressões do filme Kick-Ass, logo após a sua estréia nos cinemas brasileiros.
Aqueles que se interessarem podem conferir meu último texto: Arqueiro Verde: Conheça o herói da DC, onde discorro sobre o personagem original dos quadrinhos, para que os fãs da série Smallville possam fazer as devidas comparações. Como sempre, comentários são mais que bem vindos.
Aos leitores nerds que tem orgulho dos seus hobbies e ainda não conhecem o site, fica o convite.

DEVERES DO PROFESSOR

Aproveito a data de hoje para postar algo que serve de aviso nesse momento de segundo turno das eleições presidenciais.



Os cinco deveres "sagrados" do professor:

1. O professor não abusará da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela religião ou corrente político-ideológica, nem adotará livros didáticos que tenham esse objetivo.
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2. O professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, religiosas, ou da falta delas.
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3. O professor não fará propaganda político-partidária ou religiosa em sala de aula, nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.
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4. Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.

5. O professor não criará em sala de aula uma atmosfera de intimidação, ostensiva ou sutil, capaz de desencorajar a manifestação de pontos de vista discordantes dos seus, nem permitirá que tal atmosfera seja criada pela ação de alunos sectários ou de outros professores.

Fonte: Escola Sem Partido

Todos nós que lidamos de alguma forma com educação sabemos que ser professor é mais que apenas um trabalho. É doar-se e, também, aprender. Tarefa árdua, especialmente no nosso país, mas gratificante. Um feliz dia do professor a todos aqueles que fazem do ato de ensinar o seu meio de vida.

terça-feira, outubro 12, 2010

CORAÇÃO DE CRIANÇA



Aqueles que me conhecem sabem do meu interesse pelo pensamento e culturas orientais, notadamente a chinesa e a indiana. Mas a verdade é que foi pelo Zen-Budismo japonês que comecei, ainda na pré-adolescência (ou seja, antes mesmo da minha primeira aula de Kung Fu), quando tomei conhecimento de nomes como Taisen Deshimaru e D. T. Suzuki. Parece que realmente não optei por um caminho fácil. Naquela época, final da década de 1980, sem a internet globalizada de hoje eu, na angústia típica de quem tem no ato de falar um dos maiores prazeres da vida, não tinha com quem debater o assunto. Meu pai pouco podia fazer pra ajudar nesse sentido – mesmo sendo ele quem muitas vezes me providenciava os recursos financeiros para aquisição de tais obras, pois sempre nos incentivou no hábito da leitura. E para a maioria dos meus colegas tal tema estava bem longe da sua lista de interesses. Sim, havia os de família oriental (geralmente, claro, japonesa), mas esses eram por demais reservados sobre tais assuntos. Só quando pus os pés pela primeira vez num Kwoon que encontrei pessoas (incluindo da minha faixa etária) com o mesmo interesse pelas filosofias do Oriente.
O leitor deve estar agora se perguntando o que me motivou a escrever sobre filosofia oriental num blog de temática científica. Já aviso para ficarem tranqüilos, caros visitantes. Não estou mudando a temática do blog, muito menos quebrando minha palavra sobre o que deixei bem claro que abordaria por aqui. Ocorre que hoje comemoramos o Dia da Criança. E todos nós já fomos crianças. A proximidade dessa data sempre me traz a lembrança de uma frase do monge taoísta e confucionista Meng-Tzu (Mengzi, 372–289 a.C.), que reproduzo a seguir:

O maior homem do mundo é aquele que torna-se homem sem perder o seu coração de criança.”

Não tenho aqui a pretensão de dissecar tal sentença, buscando seus conceitos filosóficos, literários, semióticos etc. Mesmo porque, como sempre ocorre com as afirmações de pessoas realmente sábias, ela é de uma simplicidade sublime, não requerendo grandes malabarismos intelectuais para se fazer entender. Sua mensagem é absurdamente clara. Muitas coisas do mundo de hoje me preocupam. E uma delas é a ausência deste “coração de criança” na maior parte dos adultos. E isso nada tem a ver com maturidade. Há muitas pessoas imaturas que não possuem nada que identifique algo como um coração de criança. Na verdade, acredito que a verdadeira maturidade só se faz realmente presente quando inclui esse coração. Convido então vocês, prezados leitores, a acompanhar-me num breve passeio por esse coração, passando por ciência, pensamento oriental e minhas vivências pessoais. Longe de mim querer sugerir melhores maneiras de lidar com os pequenos. Não tenho qualificação nenhuma pra isso, mesmo porque ainda não sou (infelizmente) pai. Para isso existem os pedagogos e a Supernanny. Minha abordagem será outra.
Recentemente, motivado pelo convite de amigos de infância que há muito não via, fui visitar o lugar onde passei a maior parte de minha infância e toda a minha adolescência (nada menos que dezoito anos, mais da metade da minha vida), onde um deles ainda mora. Definitivamente, foi onde cresci, sob todos os aspectos. Fazia quase uma década que não passava por lá. O lugar mudou pouco. E o pouco que mudou foi pra melhor. Embora seja um garoto nascido e criado na cidade grande, eu praticamente nunca sai do mato. Primeiro porque sempre dava um jeito de viajar para algum, algo que se tornou recorrente depois dos meus dezesseis anos. E segundo porque onde cresci sempre teve mato. Fiquei muito feliz em ver com os meus próprios olhos que ele ainda existe. Verdade que agora estão bem mais agradáveis aos olhos dos mais urbanóides, repletos de jardins, babosas e arbustos. Mas continuam sendo os mesmos matagais onde eu brincava, caçava insetos e outros bichinhos (sem falar nas incontáveis picadas, inclusive de aranhas) e escorregava fazendo uso de um pedaço de papelão qualquer. Também foi onde adquiri a maior parte das minhas cicatrizes. Só fiquei um pouco chateado ao saber que o velho abacateiro que escalávamos para colher seus frutos, fora destruído por um raio durante uma das grandes tempestades dessa nossa São Paulo anos atrás, tendo que ser posteriormente removido. Descanse em paz, grande abacateiro. Digo sem medo de errar que vivi a melhor infância de todos os tempos, mesmo porque me refiro, mais uma vez, à década de 1980.
Que me perdoem aqueles que não gostam de crianças, mas não consigo entendê-los. Respeito sua postura, mas não consigo compreender. E olha que já me esforcei. É claro que existem alguns diabinhos que deixam qualquer um louco, a ponto de ninguém os querer por perto. Mas estes são a minoria. A maior parte das crianças é tão travessa quanto amorosa. Poucas coisas são tão gratificantes e tocantes quanto à demonstração de carinho por parte de uma criança pequena, ainda intocada pela teatralidade do mundo de gente grande. E, não por acaso, gente grande com coração de criança é muito bem recebida pelas mesmas. Uma característica presente em todas as crianças e que alguns adultos pareceram perder é a sua enorme curiosidade pelo mundo que a rodeia. Embora alguns afirmem ser este um traço típico dos meninos, ele está igualmente presente nas meninas. A questão é que numa sociedade patriarcal e repressora elas teem poucas oportunidades de exercê-lo. Se tem alguma dúvida, deixe uma garotinha livre num parque ou mesmo no quintal de uma casa e a observe. Você certamente se surpreenderá. Não raras vezes, tal característica adquire um aspecto realmente detetivesco. Aliás, esta é uma característica comum a todos os filhotes de mamífero. Afinal, somos antes de tudo animais, por mais que isso desagrade os adeptos do fanatismo religioso antropocêntrico. É um fato que esperneio nenhum pode mudar. Quem nunca observou um bebê cachorro ou gato sondando o ambiente a sua volta? Outro fato interessante, que muitos psicólogos e neurocientistas observaram, é que tal característica é fundamental para a sobrevivência do indivíduo. E em alguns grupos, como os primatas (do qual fazemos parte), torna-se ainda mais determinante se mantida após a sua independência. Prova disso é que os maiores artistas, cientistas e pensadores são, antes de tudo, grandes curiosos e atentos observadores. Portanto, Meng-Tzu, mesmo sem conhecer neurociência ou psicologia evolutiva, estava certo.
O arrebatamento da descoberta, uma conseqüência natural da curiosidade, é provavelmente a característica mais forte do coração de criança. De fato, cientistas com coração de criança apresentam a mesma empolgação com suas descobertas que as crianças que observam insetos num jardim pela primeira vez. Professores com coração de criança são os mais amados e respeitados. E grandes artistas (lembrando que, quando digo artistas, incluo os escritores e poetas) conseguem nos remeter a este arrebatamento. Essa é a melhor definição do que seria um coração de criança. Pena que muitos evitam tais experiências.
Também é observável nas crianças a sua abertura para o aprendizado. Crianças são geralmente muito dispostas a aprender coisas novas, outra decorrência da sua já mencionada curiosidade. Todo educador sabe que as crianças que dizem não gostar de ler ou odiar matemática não nasceram com estas aversões. Isso sempre é conseqüência de experiências traumáticas, via de regra, provocadas por um sistema educacional equivocado. Mesmo se levarmos em conta a crença de alguns em talentos e dons, em parte influenciados pelo conceito recente dos diferentes tipos de inteligência, isso continua válido. No meu caso, especificamente, sempre gostei de animais. Talvez isso seja uma afinidade natural. Talvez o primeiro livro que ganhei sobre o tema, aos sete anos de idade, tenha motivado todo um processo. Ou talvez ainda, seja a soma de tudo isso. A verdade é que para mim isso pouco importa. Eliminar essa paixão seria eliminar boa parte do que sou. E tenho plena consciência de que isso constitui um aprendizado que nunca chegará ao fim. Eu não me importo, pois o mesmo é deveras prazeroso. Infelizmente são poucos os adultos que mantém esta disposição, mesmo entre os considerados cultos. Falta de tempo é desculpa freqüente para se afirmar que aquilo que se aprendeu até tornar-se adulto é mais que o suficiente. Claro que, após uma personalidade formada, tal aprendizado torna-se mais criterioso. Não gostamos igualmente de todas as coisas. Temos preferências. O importante é o processo não estagnar. E nem vou adentrar na sensibilidade natural que toda criança tem com relação à música, para não me perder em conceitos que fogem ao do tema de hoje. Fica apenas como citação.
Uma última informação que pode ser interessante aos leitores que não são da área das ciências biológicas. A nossa espécie possui uma característica morfológica única, conhecida como neotenia (neo = novo, jovem; tenis = manter). Traduzindo: mantemos muitos caracteres na idade adulta que os outros grandes primatas apresentam apenas quando filhotes. Em comparação com os símios, nosso crânio é muito mais arredondado, nossa face é bem menor em relação à caixa craniana, nossas maxilas e dentes são muito menores (mesmo em comparação com espécies essencialmente vegetarianas, como o gorila), nossas suturas cranianas (a popular moleira) apresentam um fechamento muito mais tardio, possuímos muito menos pelo, entre outras particularidades anatômicas. Tudo isso é conseqüência de sermos pouco mais que fetos ao nascer. Os filhotes humanos são os menos desenvolvidos dentre os primatas, a ponto de nem conseguirem segurar na própria mãe. A maioria dos outros mamíferos nasce já com o crânio completamente ossificado e o cérebro quase que totalmente formado. Apenas para efeito de comparação, os sagüis nascem com cerca de 65 % do cérebro desenvolvido em relação ao seu tamanho final, os chimpanzés 40,5 % e os bebês humanos apenas 23 %. Por outro lado, um cérebro menos desenvolvido e que demora mais tempo para atingir a sua completa formação (cerca de quatro anos em comparação com um ano e meio do chimpanzé, nosso parente vivo mais próximo), é suscetível a um número muito maior de possibilidades de desenvolvimento, bem como de conexões neurais (as sinapses). Hoje é praticamente um consenso entre os especialistas que, se tivéssemos um cérebro mais desenvolvido ao nascer, dificilmente ele teria se tornado tão grande (em média 1.500 cm cúbicos, três vezes o volume do cérebro de um chimpanzé de porte equivalente), tão complexo e, principalmente, tão versátil. Já a origem da neotenia na nossa espécie estaria diretamente ligada ao bipedalismo: a mudança da posição da vagina da fêmea terminou por estreitar a abertura da pélvis, forçando o nascimento de filhotes menos formados. E alguns paleoantropólogos supõem que os primeiros hominídeos, ao estabelecerem um sistema social que valorizava o cuidado prolongado dos filhos, terminaram por favorecer indiretamente os bebês mais dependentes.
Com a criação da cultura e da sociedade, passamos a ignorar muito do nosso instinto. O que não significa que o mesmo deixou de existir. O primeiro a demonstrar isso foi Sigmund Freud (1856-1939), com o seu pioneirismo no estudo do inconsciente e por ter sido, inclusive, o primeiro a analisar uma criança – algo então impensável. Observa-se uma tendência nas culturas dominantes de silenciar os comportamentos instintivos, alguns destes, como vimos acima, tão presentes nos nossos primeiros anos de vida. A idéia de negar o lado animal da espécie humana, que se espalhou e dominou o Ocidente, definitivamente empobreceu a relação dela com o mundo e, em especial, com os outros seres. Felizmente, isso vem mudando nos últimos anos; um dos pontos positivos da globalização. De fato, somos seres racionais, mas nunca fomos, não somos, nem nunca seremos 100% raciocínio. Penso que, justamente por sermos racionais, é que podemos fazer melhor uso dos nossos aspectos instintivos. Tentar calá-los é pura perda de tempo, além de potencialmente danoso.
Sou, assumidamente, um adulto com coração de criança. Coração esse que só me trouxe benefícios. Às vezes me pego imaginando como o mundo seria muito mais chato se eu tivesse abandonado tudo que de alguma maneira me mantém ligado aos melhores momentos da minha infância; coisa que muitos dos ditos adultos maduros fazem. Penso que tal abandono por parte desses seja uma mera fuga, ou talvez medo de encarar a si mesmo. Pois, como não sou psicólogo, fico apenas no palpite, sem poder fazer uma avaliação concreta. O mais importante talvez seja saber que alguém com coração de criança, ou melhor, um curioso pelo mundo que o cerca, como disse sabiamente o naturalista britânico Gerald Durrell (1925-1995) no seu maravilhoso livro "O Naturalista Amador", jamais padecerá de um mal tão comum da sociedade moderna: o tédio. E isso ele escreveu em 1982.

quinta-feira, outubro 07, 2010

LANÇAMENTO


Ontem (06/10) ocorreu na Universidade de São Paulo o lançamento de O Guia Completo dos Dinossauros do Brasil, de autoria do paleontólogo Luiz Eduardo Anelli, professor do Instituto de Geociências (USP) e curador da exposição "Dinos na Oca" (2006) e ilustrado pelo paleoartista e paleontólogo Felipe Alves Elias, professor do programa de Ensino à Distância da Universidade Metropolitana de Santos.
Este é nada menos que o primeiro livro escrito por brasileiros e reunindo informações específicas sobre os nossos "dinos". São mais de vinte espécies estabelecidas a partir dos achados fósseis, desconhecidas da população leiga e até mesmo da comunidade científica, e apresentadas pelo autor de forma contextualizada: o livro traz comparações entre as descobertas no Brasil e na Argentina, país que já conta mais de cem "dinos". Ao tratar os fósseis como "máquinas do tempo", capazes de oferecer chaves de entendimento para as dinâmicas dos ciclos da vida e estabelecer a conexão entre os dinossauros e seus descendentes contemporâneos, as aves, o autor torna o tema instigante não só para os especialistas, mas também para o público em geral. Uma publicação da Editora Peirópolis que, além de considerar a temática ambiental um de seus grandes valores, leva o nome de um dos grandes sítios paleontológicos brasileiros.

Autor: Luiz E. Anelli
Ilustrador: Felipe Alves Elias
Editora: Peirópolis
Edição: 1
Formato: 19 X 25 cm
Páginas: 224
Idioma: Português
Capa: Brochura
Preço: R$ 60,00 em média

Ah, sim! Claro que eu já garanti o meu. ;)
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