segunda-feira, março 21, 2011

METAFÍSICA

Por Luis Fernando Verissimo

Quando Einstein morreu foi para o céu, o que o surpreendeu bastante. Assim que chegou, Deus mandou chamá-lo.
-Einstein! - exclamou Deus quando o avistou.
-Todo-Poderoso! - exclamou Einstein, já que estavam usando sobrenome. E continuou:
-Você está muito bem para uma projeção antropomórfica da compulsão monoteísta judaico-cristã.
-Obrigado. Você também está ótimo.
-Para um morto, você quer dizer.
-Eu tinha muita curiosidade em conhecer você - disse Deus.
-Não me diga.
-Juro por Mim. Há anos que Eu espero esta chance.
-Puxa...
-Não é confete, não. É que tem uma coisa que Eu queria lhe perguntar...
-Pois pergunte.
-Tudo o que você descobriu foi por estudo e observação, certo?
-Bem...
-Quer dizer, foi preciso que Eu criasse um Copérnico, depois um Newton etc, para que houvesse um Einstein. Tudo numa progressão natural.
-Claro.
-E você chegou às suas conclusões estudando o que outros tinham descoberto e fazendo suas próprias observações de fenômenos naturais. Desvendando os meus enigmas.
-Aliás, parabéns, hein? Não foi fácil. Tive que suar o cardigã.
-Obrigado. Mas a teoria geral da relatividade...
-Sim?
-Você tirou do nada.
-Bem, eu...
-Não me venha com modéstia - interrompeu Deus. - Você já está no céu, não precisa mais fingir. Você não chegou à teoria geral da relatividade por observação e dedução. Você a bolou. Foi uma sacada. É ou não é?
- É.
-Maldição! - gritou Deus.
-O que é isso?
-Não se escapa da metafísica! Sempre se chega a um ponto em que não há outra explicação. Eu não agüento isso!
-Mas escuta...
-Eu não agüento a metafísica!
Einstein tentou acalmar Deus.
-A minha teoria ainda não está totalmente provada...
-Mas ela está certa. Eu sei. Fui eu que criei tudo isso.
-Pois então? Você fez muito mais do que eu.
-Não tente me consolar, Einstein.
-Você também criou do nada.
-Eu sei! Você não entendeu? Eu sou Deus. Eu sou a minha própria explicação. Mas você? Você não tem desculpa. Com você foi metafísica mesmo.
-Desculpe. Eu...
-Tudo bem. Pode ir.
-Tem certeza que não quer que eu...
-Não. Pode ir. Eu me recupero. Vai, vai.
Quando Einstein saiu, viu que Deus se dirigia para o armário das bebidas.


Originalmente publicado na revista Veja, na edição de 11 de maio de 1988.


segunda-feira, março 14, 2011

SOBRE DESASTRES NATURAIS E O ANTROPOCENTRISMO

Imagem do tsunami que varreu a costa nordeste do Japão, na última sexta feira.

Fenômenos naturais de considerável magnitude, especialmente quando fazem vítimas, costumam suscitar além de alerta e comoção, questionamentos diversos. Não poderia ser diferente com o terremoto (o maior da história do país), seguido de um tsunami de cerca de dez metros de altura e mais de 350 tremores secundários, ocorridos na região nordeste do Japão no último final de semana – escrevo este texto no final da noite de domingo e acabo de saber da aproximação do segundo tsunami e da explosão na usina nuclear em Fukushima. Entre as várias questões levantadas sobre essa tragédia, talvez a mais visível seja a sugestão de que a proximidade de tantos fenômenos semelhantes (como os terremotos recentes do Chile e do Haiti) sejam consequência da degradação ambiental promovida pelo ser humano.
Minha experiência como professor bem como minhas incursões na área de educação ambiental tem me revelado um número cada vez maior de pessoas muito bem intencionadas, mas repletas de informações equivocadas sobre os mais diversos assuntos. E isso, é sempre bom esclarecer, independente da escolaridade ou “nível cultural”. Nos últimos dois dias, lendo as seções de e-mails e cartas dos jornais de grande circulação, notei essa idéia de que terremotos e maremotos teriam sua origem na ação humana aparecendo com relativa frequência. Num deles, até um colunista dizia pensar o mesmo, ainda que com assumida e sensata cautela. Não obstante o quão importante é constatar o crescimento da consciência ambiental na população mundial como um todo nas últimas duas décadas, tal idéia não faz o menor sentido. Influenciada em igual medida pela onda do politicamente correto (especialmente, mas não apenas, no Brasil), o ecoterrorismo inconsequente de alguns grupos e a formação sistemática de uma horda cada vez maior de indivíduos que possuem um grande número de informações superficiais sobre quase tudo sem conhecer realmente nada (naquele que talvez seja o maior efeito colateral da velocidade vertiginosa com que a informação circula hoje), a defesa de que o homem seria o principal responsável por tudo que mata os seus semelhantes vem ganhando força. Os mais exaltados chegam a enxergar “sinais” em tais eventos. Nos parágrafos seguintes, tentarei expor os três principais motivos que explicam porque o homem nada tem a ver com a origem ou causas de tais fenômenos. Na verdade, trata-se basicamente de uma falsa impressão, originada da tendência humana de não olhar para nada além do seu próprio umbigo.
Começarei pela força motriz de tudo isso: a natureza. Está acontecendo mais tremores e tsunamis hoje que em qualquer outra época, certo? Errado. Na verdade o estudo sobre a movimentação das placas tectônicas vem mostrando que o número de tremores e eventos relacionados, como erupções vulcânicas, tem diminuído ao longo da história da Terra. A grande questão é que quando eles ocorriam em maior número, ou ainda não existiam no planeta pessoas para presenciá-los ou elas ainda eram em número bem menor e viviam em grupos dispersos. Lembremos que nossa espécie está aqui há pouco mais de 100 mil anos, dentro dos 4,5 bilhões de anos de existência da Terra e 3,6 bilhões de anos de vida na mesma. Ou seja, em termos geológicos, chegamos aqui ontem. Inclusive, alguns dos grandes episódios de extinção em massa no nosso planeta (foram cinco ao todo) tiveram sua origem exclusivamente em eventos internos. E nem me refiro àquele velho conhecido da cultura popular (a extinção cretácio-terciária, há 65 milhões de anos, que vitimou os dinossauros e diversos outros tipos de animais e plantas – esses últimos quase sempre omitidos pela imprensa e esquecidos do grande público), tendo em vista que ainda há um intenso debate em torno de que a causa do mesmo teria sido ou não um agente externo – a título de esclarecimento, não há dúvidas que ocorreu o célebre impacto de um enorme meteoro, mas alguns especialistas sustentam que a extinção já se fazia presente quando ele ocorreu, configurando-o como apenas um “golpe de misericórdia”. O que a maior parte do público não especializado desconhece é que antes do aparecimento dos dinossauros e do grupo ao qual pertencemos (os mamíferos) a vida no nosso planetinha azul literalmente quase desapareceu. Há cerca de 230 milhões de anos, a extinção permo-triássica dizimou 90% dos seres que viviam em terra, rios, lagos e oceanos. Sem dúvida, uma cifra que faz as últimas catástrofes naturais registradas parecerem fichinha. Nunca houve na Terra mortandade sequer próxima disso – a extinção cretácio-terciária levou cerca 60% dos seres vivos de então. E, obviamente, causada por eventos naturais.
Conforme abordei no meu texto Sobre Fé, Divindades e Epiderme, a cultura predominante nas nações ocidentais (e que hoje influencia também boa parte do Oriente) tende a ver o ser humano como o centro do universo e um ente externo aos outros aspectos naturais. Tudo existe em função ou foi feito para o deleite da espécie humana. A essa visão de mundo damos o nome de antropocentrismo (de anthropos = "homem" ou "humano"). Mesmo com a maior consciência ecológica atual, a maioria das pessoas vê a humanidade como algo especial entre as outras criaturas. Basta notarmos o grande número de pessoas sabidamente de boa índole que não aceitam de forma alguma serem comparadas aos outros animais, quanto mais saber que é um animal. Por vezes esse antropocentrismo se manifesta de forma sutil e até inconsciente, com o indivíduo excluindo automaticamente da sua memória todos os eventos catastróficos que não inclua outros seres humanos. Isso explica, em parte, essa sensação enganosa de que acontecem mais terremotos, maremotos, erupções vulcânicas e eventos similares hoje que em outras épocas.
Outro fator importante é a diferença da quantidade de informação e a velocidade com que a mesma circula hoje do que era feito há duas ou três décadas. Atualmente recebemos todo tipo de conteúdo, de qualquer parte do mundo, em questão de segundos. E numa quantidade tão grande que é simplesmente impossível assimilarmos tudo, sendo obrigados a selecionar aquilo que seria realmente útil ou de interesse mais urgente. No século XIX notícias importantes poderiam demorar mais de duas semanas para chegar à população – e isso se fosse do interesse do então governo divulgá-las. Quando eu era criança, na década de 1980, temas de pesquisa tinham que ser garimpados durante horas nas bibliotecas. Hoje, basta ligarmos o computador. E basta o conhecimento (ou indicação) de alguns bons sites de referência para obtermos uma parte substancial daquilo que precisamos. Mesmo os livros estão mais acessíveis, com os ebooks, cópias de obras que já são de domínio público e compras on-line das obras impressas. Como me disse certa vez uma das pessoas mais sábias que tive a oportunidade de conhecer, hoje em dia já não há mais grandes segredos, pois eles migraram para a internet e as livrarias, ficando ao alcance de todos. A menos que você viva totalmente isolado da civilização, informações sobre os fenômenos naturais de maior impacto é parte integrante do seu cotidiano.
O terceiro e último aspecto diz respeito ao nosso domínio demográfico do planeta. Nossa espécie não só se espalhou por praticamente toda a superfície da Terra como não existe mais isolamento entre as nações – ou seria mais correto dizer que vivemos, ao menos sob o ponto de vista da informação, numa grande nação global? Há menos de um século, boa parte das grandes catástrofes naturais sequer chegava ao conhecimento das pessoas comuns. Em alguns casos porque ocorriam em locais onde não viviam seres humanos, em outros porque estes viviam em comunidades muito pequenas e/ou isoladas. Hoje é praticamente impossível não detectar os eventos naturais que ocorrem pelo mundo. E mais, alguns países extremamente populosos como o Japão e boa parte do Sudeste Asiático se localizam em regiões propícias a maior incidência de tremores, por estarem sobre a junção de placas tectônicas. Logicamente, eventos de maiores proporções nesses locais acabam vitimando muitas pessoas. O número elevado de mortos traz a falsa impressão de que esses eventos estariam aumentando ou ficando piores, sendo que na verdade apenas morreu mais gente, justamente porque lá havia muita gente.
Confesso que essa idéia errônea tão repetidamente proferida por boa parte das pessoas nos últimos anos muito me incomoda. Mas vejo que tem seu lado positivo: mostra com bastante clareza onde e como aqueles que atuam com divulgação científica precisariam trabalhar para que tal quadro se reverta. Sim, é cada vez maior o número de evidencias que ligam as ações humanas às alterações climáticas das últimas décadas. Mas alterações climáticas e movimentos tectônicos possuem origens completamente distintas. Já posso ouvir os brados dos pesquisadores de Wikipedia: “Mas alguns testes com mísseis nucleares causaram tsunamis”. Isso é fato. Como também é fato que a grande maioria dessas ondas gigantescas é causada por tremores naturais. Desastres naturais sempre ocorreram. E com muito mais freqüência que nos dias atuais. A única diferença é que eles nunca mataram e desabrigaram tanta gente. Simplesmente porque há muito mais gente no mundo e praticamente não há mais regiões desabitadas. O planeta encontra-se superlotado.
Em plena era digital, vivemos um novo tipo de antropocentrismo, uma fantasia megalomaníaca disfarçada de inocência (típica da hipocrisia atualmente dominante), um esoterismo pop new age disfarçado de ciência e repleto de “sinais”, aonde o Homo sapiens é visto como o responsável direto por tudo que ocorre no planeta. Até pelo que está muito além do seu alcance. Mesmo com toda a informação e esclarecimento disponíveis, continuamos a acreditar na inexistência de eventos sobre os quais nada podemos fazer e atribuir à nossa espécie poderes quase divinos. De fato é mais fácil culpar o homem do que aprender a respeitar verdadeiramente a natureza, começando por praticar aquilo que se prega. A dinâmica da crosta terrestre independe do que um pretensioso primata bípede e pelado pensa dela. Só resta a ele criar maneiras de evitar o pior nos locais onde a terra inevitavelmente se moverá de maneira nada amigável.

quarta-feira, março 09, 2011

PRA QUEM GOSTA DE MULHER

Desde 1910 é celebrado em 08 de março o Dia Internacional da Mulher. Já adianto que não concordo com tal denominação, uma vez que pra mim todos os dias são das mulheres assim como os são de todos os outros seres humanos. Por isso não tecerei aqui argumentos sobre a importância dessa data, nem me deixarei seduzir pelo clichê que deve estar vigorando em muitos outros sites e blogs sobre as qualidades que tornam as mulheres essenciais nas nossas vidas e no mundo. Muito menos venho mostrar o machismo ainda dominante na maior parte das culturas da atualidade e as dificuldades pelas quais as mulheres ainda passam em todo o planeta. Nesse último caso, especificamente, recomendo a leitura desse excelente texto da biomédica e escritora Cristina Lasaitis, publicado há um ano. Eu jamais poderia ter feito melhor: direto, sucinto e verdadeiro; um autêntico soco no estômago do politicamente correto.
Não é preciso ter doutorado na área de psicologia para notar que, assim como muito do racismo parte das chamadas “minorias raciais” (ver meu texto 100% MESTIÇOS, propositalmente postado no Dia da Consciência Negra), boa parte do machismo se manifesta por meio de um contingente considerável do próprio sexo feminino. Tal fato é facilmente constatável em atitudes como nunca tomar a iniciativa num flerte (pois “não fica bem para uma mulher”), ter como principal objetivo de vida ser sustentada por um companheiro abonado ou não fazer nada sem a “permissão” do marido/namorado/noivo. As mulheres que se sujeitam a isso, antes de qualquer coisa, não se gostam, uma vez que se deixar subjugar pelos caprichos daqueles que não gostam de mulher. É exatamente isso, prezado leitor. A grande verdade é que homem machista não gosta de mulher, gosta apenas de sexo com mulher. Gostar de mulher vai muito além do prazer sexual. Pra gostar de mulher é preciso ser muito, muito macho. Algo que o machista não é, pois não passa de um covarde inseguro que, pra começar, não valoriza nem a si próprio. Por sua vez, as mulheres machistas não gostam de si mesmas, pois não tem coragem de serem elas mesmas. E hoje faço um intervalo no tema principal deste blog (se é que isso seria possível, tendo em vista que considero muito difícil falar de seres humanos e suas relações ignorando completamente os seus componentes biológicos) para discorrer justamente sobre gostar de mulher.
Primeiramente, quem gosta de mulher não tem data específica para apreciá-las ou celebrar sua existência. Anos atrás descobri um texto interessante aonde o autor (a versão que chegara até mim era atribuída a Arnaldo Jabor, mas sabemos o quanto isso é questionável tendo em vista o que geralmente ocorre com material tão rodado na internet) descrevia o que, na sua visão, seria realmente gostar de mulher. Algo que ele deixa bem claro desde o início é que isso seria muito mais que apreciar as formas de um belo corpo feminino, pois isso qualquer indivíduo macho heterossexual da espécie já possui na sua bagagem genética antes mesmo de vir ao mundo. Gostar realmente de mulher, ele afirma, requer sensibilidade e tato, enxergar além do físico e admirar alguém na sua totalidade. Concordo em gênero, número e grau.
De fato, babar por um belo corpo é automático, não requer nenhum aprendizado. No que diz respeito exclusivamente ao aspecto físico (ou seja, não incluindo possíveis afinidades e sentimentos), a mulher que geralmente nos atrai é essencialmente a boa reprodutora: jovem (para gerar muitos filhos), cintura fina, quadris largos, coxas grossas e seios firmes. Contudo, embora Freud e outros nos tenham mostrado que somos em grande parte guiados por nossos instintos, mais tarde descobrimos que estamos longe de ser escravos passivos dos mesmos. Talvez essa seja a única real diferença da nossa espécie em relação aos outros animais. O homem (ou ao menos aquele que mereça realmente essa denominação) não pensa por meio da testosterona. Pelo menos não o tempo todo.
Ao mesmo tempo, gostar de mulher é bem diferente de endeusá-las, colocando-as num altar, como se fossem superiores aos homens. Elas são seres humanos como nós, igualmente imperfeitas – ainda que fascinantes. E talvez justamente aí resida todo o seu encanto, pelo menos pra quem é adulto o suficiente pra não desejar algo que nunca irá encontrar, já que pessoas perfeitas não existem. Muitos indivíduos do sexo masculino ainda se confundem quanto a isso. Para amar as mulheres, comecemos por fazer uso daquela palavrinha mágica: respeito. E isso inclui respeito por si mesmo e ter amor próprio. Quem não se valoriza, jamais será valorizado por outrem. Homem tem que ser homem. As mulheres que valem a pena gostam de homens, não de capachos.
Volta e meia me pego comentando com amigos (e amigas) como, por vezes, me sinto um estranho no ninho por não sentir nenhuma admiração por mulheres que estão em evidência exclusivamente por, e sem nada a oferecer, além da sua beleza física - muitas vezes de apenas uma determinada parte da sua anatomia. Claro, o que é bonito muito agrada aos meus olhos. Sem hipocrisia. Mas beleza vazia é frustrante, pra não dizer broxante. Sem falar na noção profundamente enraizada no senso comum de que beleza e inteligência não poderiam coexistir numa mesma mulher. Às vezes tenho a impressão de que nasci no planeta errado. Uma mulher bela não é necessariamente interessante. De fato, acho mesmo algumas repugnantes, devido ao seu comportamento vulgar e ausência de talentos e motivações. Para muitos, isso soaria absurdo. Azar deles. Costumo dizer que uma mulher realmente interessante, pra mim, é aquela que antes de qualquer reação hormonal óbvia, me encanta com os seus talentos. Nada se compara a uma mulher encantadora, ainda mais se novos encantos nos são apresentados à medida que vamos conhecendo-a melhor. Desvendar a personalidade de uma mulher interessante é uma experiência incomparável, porque ela possui de fato uma personalidade e, portanto, muito a oferecer. Tenho sérias dificuldades em separar uma mulher em partes, como se fosse um brinquedo de montar, para apreciá-las separadamente. Prefiro, como se diz popularmente, “o conjunto da obra”. Uma amiga extremamente encantadora, recentemente escreveu:

Qualquer um que tenha olhos para ver baba num corpão bonito. Mas burrice enfeia qualquer beldade - e qualquer galã. Já a inteligência embeleza.

Para completar tal raciocínio, cito uma frase do fotógrafo alemão Helmut Newton (1920-2004), conhecido principalmente pelos seus ensaios com mulheres que esbanjam força e personalidade, entre elas a atriz Catherine Deneuve:

Uma mulher tipo florzinha recatada, que não é inteligente nem se impõe, não é interessante”.

Um dos grandes males do mundo moderno certamente é a atitude predatória de certos setores da mídia para impor um padrão de beleza, especialmente para as mulheres. Triste de quem embarca nessa piroga furada. Primeiro porque beleza é algo muito subjetivo, o que torna bem estranho afirmar que aqueles que discordem do padrão imposto estejam “errados”. Segundo porque quase sempre tal padrão é anatômica e fisiologicamente inalcançável para 99% das mulheres, o que termina por gerar um efeito cascata de problemas emocionais, psicológicos e por vezes até físicos – configurando crueldade pura e simples. Confesso que o terceiro motivo é pessoal. Acredito sinceramente que o maior trunfo da beleza feminina reside justamente na sua diversidade. Estabelecer um padrão é perder toda a maravilha que consiste em apreciar essa diversidade. E lembrando que aquilo que é considerado belo pode mudar de acordo com a época e a cultura. Criar regras sobre o que seria bonito além de tirânico e insensível é idiota. Claro que existem mulheres feias. Afinal, o próprio conceito de beleza não existiria sem a presença da feiúra. Considero o cúmulo da hipocrisia dizer que ninguém é feio. E sendo sincero, acho bem feios esses cabides ambulantes com cara de cadáver do “mundo fashion”. Ossos da bacia pélvica visíveis não é beleza. É doença. E 75 não é medida de quadril de uma mulher adulta saudável. Mulher realmente bonita tem curvas. E sabe valorizar aquilo que a natureza lhe deu.
Esta é apenas a opinião de um homem que gosta de mulher. Não posso falar, por exemplo, em nome das minhas amigas gays, muito embora compartilhemos do mesmo bom gosto. Para finalizar, seguem doze damas pelas quais nutro uma admiração especial. Na verdade o número de mulheres cuja atuação eu aprecio, felizmente, não caberia num post. Nesse caso decidi evitar ao máximo o lugar comum das celebridades e citar aquelas que se destacam nas suas respectivas áreas sem que, no entanto, sejam íntimas dos flashes e holofotes. Também decidi abranger a maior variedade possível de profissões, evitando um número muito grande de atrizes ou cantoras, por exemplo. Sim, elas são lindas. Mas o que realmente as diferencia é uma série de outros predicativos: todas muito inteligentes, nada óbvias, autênticas, donas de uma sensualidade natural e (talvez justamente por isso) nada apelativa, além de incrivelmente talentosas e competentes nos caminhos que decidiram seguir – com as próprias pernas. Como se isso tudo já não bastasse, tive o prazer de conhecer algumas delas pessoalmente e descobrir que são de uma doçura ímpar, cada qual a sua maneira. São pessoas com quem você começa a conversar e não quer mais parar. Impossível não se encantar. Sem dúvida, cada uma delas conquistou o meu coração de maneira individual e única.


Camila Fernandes – Ilustradora e escritora brasileira


Cléo de Páris – Atriz brasileira


Cristina Lasaitis – Biomédica e escritora brasileira


Elinor Carucci – Fotógrafa americano-israelense


Felisa Wolfe-Simon – Biogeoquímica da NASA


Márcia Tiburi – Filósofa, artista plástica e escritora brasileira


Maret Grothues – Jogadora holandesa de voleibol


Mariana Aydar – Cantora, compositora e multinstrumentista brasileira


Marianne Steinbrecher, a Mari - Jogadora brasileira de voleibol


Paula Amidani – Atleta brasileira de Wu Shu


Soledad Villamil – Atriz e cantora argentina


Suzana Herculano-Houzel – Neurocientista brasileira



A todas aquelas que exercem suas profissões com semelhante dedicação, paixão e brilho, sintam-se representadas por elas. Parabéns por serem mulheres de verdade, todos os dias.

terça-feira, março 01, 2011

O URSO NADADOR DE CHARLES DARWIN

Em pleno século XIX, com suas primeiras deduções a respeito da evolução dos seres vivos (que décadas mais tarde culminaria com o lançamento do clássico "A Origem das Espécies e a Seleção Natural") tomando forma, o naturalista inglês Charles Robert Darwin chegou a seguinte conclusão, ao observar um enorme urso pardo (Ursus arctus) que estava nadando num lago com a boca aberta para apanhar insetos:

Não vejo problemas em imaginar um urso se tornando, por necessidade, cada vez mais aquático, e tendo uma boca cada vez maior, para poder apanhar peixes, insetos e outros pequenos seres em maior quantidade. Seus descendentes então se tornariam cada vez maiores, com bocas maiores e cada vez mais aquáticos. Até se transformarem em enormes baleias.

Esse curioso raciocínio de Darwin apareceu nas primeiras edições de "A Origem das Espécies", sendo um dos pontos do livro mais criticados por seus adversários, inclusive outros naturalistas da época; pois era uma afirmação que carecia de evidências. O próprio Stephen Jay Gould (1941-2002), paleontólogo e um dos maiores divulgadores da evolução biológica do final do século XX, classificou a afirmativa de Darwin como "boba"; nem correta nem errada, apenas "boba”, por não ser científica, não caracterizar uma teoria e não se basear em evidências para sustentar-se. Enfim, era apenas um palpite. E um palpite dos mais infelizes. Darwin foi inúmeras vezes atacado por causa desse urso, às vezes de forma bem dura, perdendo apenas em críticas pela sua mais famosa conclusão – a de que o homem e os símios possuem um ancestral comum (justamente essa, ironicamente, baseada em evidências contundentes). As críticas a Darwin e o conseqüente mal-estar foram tamanhos que, com o passar dos anos, o comentário sobre o tal urso discretamente desapareceu das edições subseqüentes da obra (nas edições brasileiras, por exemplo, ele não existe).
Até meados do século XX, a evolução dos cetáceos (baleias, golfinhos e seus parentes) foi um dos maiores "trunfos" dos críticos da teoria evolutiva, notadamente os criacionistas. Simplesmente porque, embora anatomicamente fosse perfeitamente possível inferir pela simples observação do esqueleto desses animais que os mesmos eram descendentes de mamíferos terrestres quadrúpedes, desconhecia-se até então o registro fóssil de tal transição terra-mar. Para os criacionistas, seria uma prova cabal de que a evolução não ocorria: se existiram tais animais intermediários, por que ninguém os encontrava? Claro que o desconhecimento ou mesmo a inexistência de supostos espécimes intermediários é um problema criado pelos próprios criacionistas, originário da sua própria ignorância a respeito do registro fóssil, e que em nada invalida a Teoria da Evolução - qualquer bom estudante das áreas biológicas ou entusiasta da vida pré-histórica sabe que boa parte dos seres vivos que viveram na Terra sequer deixaram rastros da sua existência. Ao contrário do que os criacionistas mal informados pensam, não dependemos dos fósseis como evidência definitiva da evolução. A descoberta de alguns fósseis de tipos "intermediários" (criacionistas adoram utilizar esse termo, desconhecendo que toda a forma de vida é de certa maneira uma espécie intermediária) apenas confirmam o que já se sabia por outros meios, como a genética e a anatomia comparada. Mas esse é um assunto que tomaria muito espaço se abordado detalhadamente neste texto. Fica para um post futuro.
Contudo, o tempo mostraria que o equívoco de Darwin não fora assim tão grotesco, embora não deixasse de ser de fato um equívoco. Essa virada a favor do pai da teoria da evolução teve início na última década do século passado. A cerca de 50 milhões até 45 milhões de anos, boa parte do que hoje conhecemos como Oriente Médio era uma região de clima temperado a subtropical recoberta por um mar, posteriormente batizado pelas geociências como Mar de Thetis. Em 1983 o paleontólogo norte-americano Phillip Gingerich, da Universidade de Michigan, juntamente com N.A. Wells, D.E. Russell e S.M.Ibrahim Shah descobriram na região onde hoje fica o Paquistão, o fóssil de um animal que viveu há cerca de 50 milhões de anos, extremamente semelhante a uma baleia. E o mais interessante é que esse animal apresentava uma característica anatômica impossível de ser desconsiderada: era um mamífero terrestre e quadrúpede. Recebeu o nome de Pakycetus ("baleia do Paquistão"), e provavelmente vivia de modo semelhante ao de muitos mamíferos pescadores atuais, indo freqüentemente à água para buscar comida. Mas o Pakycetus ainda guardava mais surpresas: seu crânio era notavelmente semelhante ao de um grupo de mamíferos onívoros, hoje extinto, cuja aparência lembrava vagamente a de um cachorro. Isso só veio confirmar o que alguns pesquisadores já suspeitavam há décadas. Esses animais eram os membros da família Mesonychidae, que por sua vez fazem parte do extinto grupo dos Condilarthra; os ancestrais de todos os mamíferos ungulados (dotados de unhas em forma de casco). Sim, isso mesmo. Por mais diferentes que esses bichos sejam hoje em dia, baleias, porcos, girafas, cavalos e elefantes são parentes distantes, pois possuem um ancestral comum.

Reconstituição de uma das espécies mais representativas dos Mesonychidae, procurando alimento numa praia junto ao Mar de Thetis (Natural History of Northern Arizona Museum).


Reconstituição do Pakycetus attocki (de Cristobal Aparicio, Universidad di Salamanca).
Durante toda a década de 1990 e início do século XXI, fósseis de diferentes espécies de protocetáceos foram descobertos, a ponto de ser possível reconstruir praticamente todos os estágios evolutivos do mamífero quadrúpede ao completamente aquático e pelágico, incluindo alguns “becos sem saída” – caminhos evolutivos que se extinguiram sem deixar descendência. O Mar de Thetis revelou-se um autentico paraíso de leviatãs. Talvez o exemplar mais fascinante desta história evolutiva seja o Ambulocetus natans ("a baleia que caminha e nada") descoberto em 1994 e que viveu há 48 milhões de anos; um predador de hábitos completamente anfíbios, cujos membros transformados em nadadeiras lhe propiciavam uma locomoção muito semelhante a dos atuais leões-marinhos. As nadadeiras eram o seu principal meio de impulsão, enquanto a longa e fina cauda devia servir de leme dentro d’água. Com até 2,5m de comprimento, seu modo de vida devia ser parecido com o dos jacarés e crocodilos, atacando de emboscada pequenos animais, tanto os aquáticos quanto os terrestres que vinham até a margem beber. O Ambulocetus e os já completamente aquáticos Basilosaurus e Dorudon estão entre os "astros" da série Walking With the Beasts, do acordo BBC/Discovery.

Ambulocetos natans predando um pequeno protoungulado (Carl Buell, 1998).

O uso do tronco, e não dos membros, como principal meio de propulsão durante o nado provavelmente teve início com o pequeno Kutchicetus minimus, que viveu há 45 milhões de anos. O fóssil foi descoberto em 2000, numa região do Mar Thetis que hoje fica no sudoeste da Índia. O esqueleto do Kutchicetus (“baleia de Kutch”, o distrito indiano onde foi encontrado) indica que ele devia nadar de modo muito semelhante às lontras modernas, com movimentos vigorosos da flexível coluna vertebral. Interessante notar que o movimento da cauda dos cetáceos (vertical, diferente do movimento horizontal-lateral da cauda dos peixes) desenvolveu-se a partir dessa flexibilidade presente em vários grupos de mamíferos quadrúpedes, de roedores a felinos. Não é o que ocorre, por exemplo, nos répteis, onde também há grande flexibilidade das vértebras nas serpentes e algumas espécies de lagarto, mas a movimentação é horizontal.
 Reconstituição do Kutchicetus minimus (Carl Buell, 2001).
O Basilosaurus drazindai foi a primeira espécie de cetáceo pré-histórico a ser descoberta, em 1834 na América do Norte, pelo naturalista R. Harlan (1796-1843), logo seguido por uma espécie muito semelhante, o B. Isis, no Egito. Fora batizado com esse nome na época (que significa “lagarto rei”) por Harlan considerar erroneamente o esqueleto como de um réptil marinho (mais apropriadamente um tipo de “serpente marinha”), configurando num dos mais célebres erros da história da paleontologia. Apesar do erro, segundo as regras da nomenclatura paleontológica o nome Basilosaurus deve permanecer, a semelhança do que ocorreu em diversos outros episódios similares – como o do Oviraptor, descrito no meu texto Uma Mãe Dedicada... e Injustiçada. Essa baleia pré-histórica, de 40 milhões de anos atrás, atingia até 16m de comprimento e, embora bem menos veloz que as orcas e outros parentes distantes atuais, sua dentição indica que devia ser um predador ativo. Alguns estudiosos sugerem que suas presas habituais podiam ter até 2m – o que incluiria tranquilamente outros mamíferos marinhos. Embora totalmente adaptado à vida nos oceanos, o Basilosaurus apresenta duas características anatômicas que o deixam mais próximo dos ancestrais terrestres que as baleias atuais: seu corpo era ainda bastante alongado, bem menos hidrodinâmico; e (talvez o ponto mais interessante) ainda retinha os membros posteriores, se bem que extremamente atrofiados. Diferentes das baleias atuais, que possuem apenas vestígios de tais membros, os do Basilosurus são formados por um esqueleto completo e tudo indica que eram perfeitamente funcionais. Sua função ainda e discutível. Ao contrário do que esperam muitos daqueles não familiarizados com a evolução biológica, nada impede que tais membros não tivessem de fato função alguma, uma vez que tal ocorrência é relativamente comum na natureza (vide o nosso apêndice intestinal). Órgãos e estruturas que perdem a sua utilidade num organismo não desaparecem de uma hora para outra, evolutivamente falando. Mas a proximidade com os órgãos genitais fez Gingerich sugerir que (e eu me incluo entre os paleontólogos e biólogos evolutivos que apóiam tal teoria) os membros posteriores do Basilosaurus serviriam como auxiliares durante a cópula, com macho e fêmea os usando para se segurar um ao outro. De fato, o corpo quase serpentiforme do Basilosaurus torna bem difícil imaginar uma cópula similar à dos cetáceos atuais sem uma ajuda extra. Espécies mais antigas descobertas posteriormente como o Rodhocetus kasranii e o Takracetus simus, apresentam membros posteriores proporcionalmente maiores que os do Basilosaurus. Como eram completamente aquáticos e já faziam uso da cauda para propulsão (suas reconstituições quase sempre os representam com uma nadadeira caudal igual a dos cetáceos atuais), supõe-se que esses membros os impedisse de encalhar nas suas incursões por praias mais rasas.
Reconstituição moderna do Basilosaurus (=Zeuglodon), com os reduzidos membros posteriores em destaque.


Obviamente, muitas questões referentes aos aspectos da evolução das baleias e seus parentes continuam sem resposta. E muitas das idéias estabelecidas nos anos 90, hoje estão sendo postas em xeque. Alguns pesquisadores já duvidam dos Mesonychidae como ancestrais dos cetáceos (embora seja indiscutível a origem protoungulada dos mesmos) e há aqueles que levantam a hipótese deles estarem mais relacionados filogeneticamente com os ancestrais dos hipopótamos. De qualquer forma, esse não apenas constitui um dos episódios mais interessantes da evolução biológica, como também representam um duro golpe contra o criacionismo. Numa entrevista em 1994, Phillip Gingerich disse o seguinte.

Se você fica satisfeito com uma história que inventa, tudo bem. Mas eu não sou assim. Eu quero saber o porquê daquilo ser de um jeito e não de outro. Quero saber se estou realmente certo. Deixo os fósseis falarem comigo, quero que eles falem comigo. Por isso, quando descobrimos o Pachycetus de 50 milhões de anos, sabendo do Basilossaurus de 40 milhões de anos; percebemos que tínhamos 10 milhões de anos com que trabalhar. E isso me deixou muito satisfeito, porque não precisava ser daquela maneira.


Provável filogenia dos cetáceos.


Ainda que Charles Darwin tenha sido precipitado e nada científico na sua dedução apresentada no início deste texto, percebemos que ele não estava de todo errado. As baleias e seus parentes realmente evoluíram de mamíferos quadrúpedes e onívoros, ainda que sem qualquer parentesco próximo com os ursos. E na verdade, os dois grupos nem são anatomicamente tão diferentes, apesar de filogeneticamente distantes – os ursos evoluíram a partir de um ramo da família dos canídeos e os Mesonychidae deviam ser extremamente parecidos com cães no seu aspecto externo, ainda que com um crânio proporcionalmente bem maior (algumas espécies como o Andrewsarchus mongoliensis apresentam uma cabeça de comprimento quase igual a metade do comprimento do tronco).
Muitas vezes deduções geniais precisam apenas ser testadas por meio das evidências para mostrarem-se válidas. Diferente do que alguns “racionalistas” defendem a ciência não está completamente isenta das características humanas de seus profissionais, pois a mente humana, por mais que alguns queiram, nunca é totalmente racional e analítica. Como criação humana, a ciência sempre estará sujeita aos contextos humanos. Por incontáveis vezes na História da Ciência o contexto social e cultual influenciou pesquisas científicas e as próprias idéias dos cientistas (para ver um exemplo, ofereço meu texto Os Moluscos de Leonardo da Vinci). A verdade é que os cientistas e os artistas são muito mais parecidos do que muitos dos representantes desses dois segmentos gostariam de admitir. Antes de qualquer dedução teórica o cientista faz uso da sua criatividade. E ela pode ou não evoluir para resultados positivos. Há quem acredite que este tipo de criatividade, acompanhada da intuição, seja a marca registrada dos grandes gênios (Da Vinci e Einstein desenvolveram algumas hipóteses de forma semelhante). Independente disso é sempre recomendável lembrar que cientistas são, antes de tudo, seres humanos.
BlogBlogs.Com.Br