terça-feira, outubro 26, 2010

SOBRE FALÁCIAS

Adaptado do original de Guilherme Magalhães Gall

É muito comum ocorrerem debates entre posições antagônicas, como crentes e ateus ou adeptos de determinadas ideologias políticas. Hoje em dia, tornaram-se ainda mais comuns debates entre antagonistas bem menos óbvios, como religiosos fanáticos e cientistas (lembrando sempre que a maior parte da comunidade científica não é atéia), vegetarianos e consumidores de carne, ou mesmo entre cientistas e defensores de pseudociências (áreas que se dizem muitas vezes científicas, mas que sequer fazem uso do método científico para corroborar suas hipóteses). Comum também é o fato desses debates serem repletos de falácias cometidas pelos não cientistas. Os ateus também cometem falácias algumas vezes, mas isso é bem raro, pois a própria postura racional adotada por eles não permite que conclusão alguma seja apoiada em argumentos falaciosos.
Existem muitos artigos na Internet visando à apresentação dos diversos tipos de falácias (veja a definição abaixo), mas todos eles são grandes demais para serem lidos rapidamente e geralmente não são lidos por completo. Nesses textos os diversos tipos de falácias são apresentados por nomes em latim. Neste artigo, os nomes em português são apresentados primeiro (se existirem) e entre parênteses é apresentado o nome em latim (se existir). Longe de pretender-se uma referência no assunto, o presente texto visa apenas apresentar as 14 falácias mais cometidas pelos não cientistas em debates com profissionais da ciência, para permitir que a troca de idéias entre eles seja feita de forma racional e lógica sem que nenhuma das partes tenha que ler textos enormes sobre lógica e argumentos falaciosos.

O que é uma falácia?
A palavra falácia é utilizada no português diário para designar qualquer tipo de falsidade ou crença falsa, que ilude. Na lógica o significado da palavra é um pouco mais específico. Em lógica uma falácia é um argumento ou raciocínio concebido com o objetivo de produzir a ilusão da verdade, que, embora simule um acordo com as regras da lógica, apresenta, na realidade, uma estrutura interna inconsistente, incorreta e deliberadamente enganosa.
Fonte: Dicionário Houaiss.

Concluímos então que as falácias devem ser evitadas a todo custo para manter o nível racional e lógico da discussão ou debate em andamento.
Existem vários tipos de falácia. Os mais cometidos pelos fanáticos religiosos, pseudocientistas e similares em discussões são, em ordem decrescente de cometimento:

1. Inversão do Ônus da Prova
O fardo da prova sempre está em quem está afirmando algo. A inversão de ônus da prova consiste em transmitir a responsabilidade de provar algo para quem duvida desse algo. A fonte da falácia é a pressuposição de que algo é verdadeiro até que se prove que é falso. Nota-se com isso que essa falácia nada mais é do que um tipo mais específico de Argumentum ad Ignorantiam (vê-se a definição mais abaixo). Por exemplo:

"Você é ateu, certo? Mas baseado em que você afirma isso se você não provou que Deus não existe?"

Veja que aqui quem tem que provar a existência de divindade(s) é o crente que defende sua existência. Da mesma forma que é impossível provar que deus não existe, é impossível provar que não existam minhocas com poderes psíquicos no solo de Júpiter; dada a impossibilidade de se provar a inexistência de qualquer coisa. Simplesmente não existe prova da inexistência o que existe (ou não) é prova de existência.

2. A Evidência Anedótica
Uma das falácias mais simples é também uma das mais cometidas. Vejamos dois exemplos:

"Claro que Deus existe e que continua realizando milagres até hoje. Eu sou um exemplo disso: meu primo estava doente, quase morrendo. Levei a família toda para rezar e ele se curou em pouco tempo."

“Os diversos relatos de abduções provam que seres extraterrestres estão visitando a Terra já há bastante tempo.”
É válido ilustrar um ponto qualquer com uma experiência vivida por alguém, mas descrições de tais experiências não provam nada a ninguém. Você pode alegar que se encontrou com Machado de Assis ontem para seus amigos, porém a descrição da sua experiência não será suficiente para provar para eles que a alegação de que Machado de Assis está vivo é verdadeira.
Evidências anedóticas são muito eficientes para apoiar argumentos para uma platéia que quer acreditar no que está sendo dito. Essa tática é constantemente utilizada por líderes religiosos que desejam "salvar as ovelhas que estão se desgarrando do rebanho" ou por pseudocientistas para fazer situações imaginárias parecerem reais, mas é completamente ineficiente com um cético. Ainda assim é bastante utilizada em discussões sobre a (in) existência de uma divindade* ou de fenômenos sobrenaturais.

3. A Falácia do Espantalho
A falácia do espantalho consiste em deturpar um argumento exposto ou um conceito para que esse argumento ou conceito fique mais facilmente atacável. Esse argumento aparece em debates entre cientistas e fanáticos religiosos quase que constantemente. Veja um exemplo:

"A Teoria da Evolução é falsa porque contraria a Segunda Lei da Termodinâmica. Ela diz que o nível de desordem de um sistema nunca pode diminuir, logo um ser complexo como um humano não pode ter vindo de um simples ser unicelular primitivo menos organizado."

Essa falácia é a mais difícil de ser detectada quando não temos conhecimento sobre o conceito ou argumento que foi deturpado. Note que a citação deturpa a Segunda Lei da Termodinâmica afirmando que o nível de desordem (entropia) de um sistema só pode aumentar, quando na realidade ela pode diminuir se o sistema em questão for um sistema termodinamicamente aberto (como o planeta Terra). O que a Lei diz na realidade é que em um sistema termodinamicamente fechado (como o universo) a entropia sempre aumenta. Como a Terra é um sistema aberto podemos dizer que o nível de desordem nela pode diminuir. Assim a Teoria da Evolução não pode ser derrubada pela Segunda Lei da Termodinâmica, porque elas nem ao menos entram em conflito.
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4. Apelo à Autoridade (Argumentum Ad Verecundiam)
Defender uma proposição com o fato de que uma pessoa com prestígio também a defende caracteriza a falácia de apelo à autoridade. Por exemplo:

"Einstein era um gênio e acreditava em Deus. Você se acha mais inteligente que ele para não acreditar?"

Sem entrar no mérito de que Einstein nunca misturava sua fé com suas teorias científicas; podemos derrubar esse argumento falacioso demonstrando que pessoas são passíveis de erros, sendo ou não famosas. Veja que existe uma diferença entre defender determinada posição com base na posição de alguém com prestígio e reforçar seu argumento com a opinião de quem realmente entende do assunto em discussão. Veja essa diferença abaixo:

"O famoso biólogo Richard Dawkins diz ser impossível a fabricação de navios mais rápidos do que os que existem hoje nos EUA." (Dawkins é biólogo e embora seja famoso não tem credibilidade suficiente para falar de engenharia naval).

"Hawking concluiu que os buracos negros desprendem radiação." (Stephen Hawking é físico teórico e foi o autor da Teoria dos Buracos Negros, portanto concluímos que suas posições a respeito do assunto sejam informadas. Veja que ainda assim ele é passível de erros.)
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5. Falsa correlação entre causa e efeito (Post Hoc Ergo Propter Hoc)
Consiste em afirmar que um evento é causado por uma suposta causa, só porque essa suposta causa ocorreu antes do evento. Na realidade é só um tipo específico de Non Causa Pro Causa (definição mais abaixo). Tanto que "post hoc ergo propter hoc", significa nada mais que "depois disso, logo, por causa disso". Exemplos:

"Tomei remédios homeopáticos para curar minha gripe e após uma semana minha gripe desapareceu."

"O número de crimes cometidos dentro dos presídios aumentou com a diminuição do catolicismo entre os detentos, logo, a diminuição do catolicismo entre os presos causou um aumento na criminalidade."

“Depois que a minha tia mudou o número da sua casa, orientada pela numerologia, sua vida só fez melhorar.”

6. Ataques Pessoais (Argumentum ad Hominem) - Parte A
Essa falácia consiste em atacar quem está argumentando algo, não o argumento em si. Pode-se atacar desde o caráter de quem afirma (em sua forma mais comum) até sua nacionalidade, raça ou mesmo condição física (em casos extremos, observados com maior freqüência na Web). Manifesta-se de formas diversas, vamos ver quais são elas:

1.Abusiva
Quando se ataca o argumentador e não a argumentação proferida por ele, se caracteriza um ad Hominem abusivo. Por exemplo:

"Você afirma que não existe relação entre moral e religiosidade, mas eu descobri que você é ateu e que bate nos seus filhos."

Uma forma menos aparente de ad Hominem abusivo é alegar que o argumento proferido por alguém também foi proferido ou poderia ser proferido por alguém facilmente criticável. Exemplo:

"Você acha que o Estado deve ter plenos poderes? Hitler teria concordado com você."

2.Circunstancial
Mostrar circunstâncias particulares do argumentador para tentar derrubar seu argumento caracteriza um Argumentum ad Hominem circunstancial. Por exemplo:

"Claro que você não quer contribuir com o Greenpeace, você é dono de uma madeireira!"

Ataques Pessoais (Argumentum ad Hominem) - Parte B
3. Tu quoque
Quando se diz que um argumento é falso só porque o argumentador atacado não pratica o que afirma tem-se aí outro tipo de Argumentum ad Hominem. Veja o exemplo:

"Você sempre disse que beber faz mal à minha saúde. Mas ontem eu vi você bêbado naquela festa!"

Esses são os três tipos mais comuns de Argumentum ad Hominem (ataques pessoais) e funcionam muito bem quando se está diante de espectadores de posição contrária ao argumentador atacado. Se você está debatendo com um criacionista que está sendo ouvido por vários outros criacionistas é bem provável que ele cometa alguns ataques pessoais, não necessariamente com o objetivo de derrubar seu argumento, mas sim com o objetivo de atrapalhar a sua argumentação para que você tenha dificuldades em transmitir suas idéias de forma adequada. É importantíssimo demonstrar que a veracidade de um argumento não depende de quem defende esse argumento.
Evidentemente se um argumentador de credibilidade duvidosa defender algo, teremos mais chance de estar diante de um argumento falso, mas isso não necessariamente prova que seus testemunhos são falsos.

7. Apelo à Antiguidade (Argumentum ad Antiquitatem)
Essa é a falácia de afirmar que uma idéia ou conceito é certo, simplesmente por ser antigo. Algo como "sempre foi e sempre será assim". Veja o exemplo para entender melhor:

"O cristianismo é a religião mais correta porque é a mais antiga de todas. Você acha que se ela fosse falsa, teria tantos seguidores quanto tem até hoje?"

Não entrarei aqui no mérito do cristianismo não ser a religião mais antiga. Importante é perceber que nem sempre esse tipo de falácia é facilmente identificável como foi demonstrada na citação acima. Ela pode aparecer de forma um pouco mais convincente e por isso, passar despercebida. E lembremos que coisas como o estupro, as guerras e a escravidão são de fato muito antigas – realmente milenares.

8. Apelo à Ignorância (Argumentum Ad Ignorantiam)
Consiste em afirmar que alguma coisa é verdadeira só porque ainda não foi provado que é falso. O contrário também é considerado falácia (afirmar que algo é falso só porque ainda não foi provado que é verdadeiro). Note que há uma diferença em assumir (para assumir algo, não necessariamente precisamos de provas) que algo é falso até que seja provado que é verdadeiro. Juridicamente, por exemplo, você é considerado inocente até que seja provada sua culpa. Exemplos:

"Claro que a bíblia é verdadeira. Ninguém pode provar de outra maneira, pode?"

“Você não tem como me provar que aquele óvni não era uma nave espacial alienígena.”

Outra falácia que inserida no contexto da discussão pode passar despercebida, por isso, cuidado para não aceitar isso para comprovar uma conclusão.

9. Apelo à Força (Argumentum ad Baculum)
Essa falácia recorre ao medo da força (ou ameaça dela) para forçar as pessoas a aceitar um argumento. Muito utilizado por religiosos que querem persuadir uma pessoa que começa a questionar os dogmas de sua seita. Veja um exemplo:

"Claro que a bíblia é verdadeira. Aqueles que não aceitam isso sofrerão para sempre no inferno."

A ameaça pode vir de quem está argumentando ou não. No exemplo acima a ameaça não vem necessariamente do argumentador, mas sim da possibilidade de "sofrer eternamente no inferno".

10. Apelo aos Números (Argumentum ad Numerum)
Consiste em afirmar que quanto mais pessoas concordam com uma afirmação, mais verdadeira será essa afirmação. Por exemplo:

"A grande maioria da população brasileira tem religião. Sugerir que a religiosidade é prejudicial frente a essa evidência é ridículo."

11. Apelo ao povo ou "à galera" (Argumentum ad Populum)
Apelar para um grande número de pessoas para ganhar a aceitação de uma proposição caracteriza "apelo à galera" ou Argumentum ad Populum. Perceba que essa falácia está tão relacionada com a Argumentum ad Numerum que chega a ser difícil distingui-las em alguns casos:

"Por vários anos as pessoas aqui presentes acreditaram em Jesus Cristo e na Bíblia e isso provocou grandes mudanças nas suas vidas. Você está por um acaso afirmando que essas pessoas são tolas iludidas?"

Lembrando que essa falácia só "funciona" caso exista uma "platéia" com mesma opinião do argumentador falacioso.
Em um debate é importante mostrar que só porque algo é defendido por muitos, não necessariamente esse algo é verdadeiro. Exemplo disso é que por muito tempo as pessoas acreditavam que o planeta Terra era plano e estático no centro do Sistema Solar. Isso não fez com que essa posição se tornasse verdadeira, fez?

12. Argumentum ad Lazarum
Essa é a falácia de afirmar que alguém pobre é mais virtuoso ou mais acreditável do que alguém mais rico. Por exemplo:

"As freiras que escolheram viver em conventos compreendem melhor a vida, porque abriram mão das tentações provocadas pelos prazeres da riqueza."

13. Repetição exaustiva de afirmação (Argumentum ad Nauseam)
Baseia-se na idéia incorreta de que algo será mais verdadeiro se repetido exaustivamente. Essa falácia então simplesmente baseia-se em repetir diversas vezes a mesma coisa, até que a "vítima" fique cansada de ouvir. Muito utilizada por alguns pregadores, geralmente sob a forma de gritos e acompanhada de grandes gestos teatrais.

14. Non Causa Pro Causa
Ocorre quando alguma coisa é identificada como a causa de um evento, mas não existe prova de que essa coisa é a real coisa causadora do evento ou a única coisa causadora do evento. Por exemplo:

"Tomei uma aspirina e rezei o terço, aí minha dor de cabeça desapareceu completamente. Logicamente a minha oração foi ouvida por Deus, logo Deus existe."

Note que não ficou provado o que fez a dor de cabeça desaparecer. Pode ter sido a oração, a aspirina, ou ambos; portanto, a afirmação anterior não comprova a existência de divindade* alguma.

* a palavra divindade foi aqui utilizada como um sinônimo de deus. Deus não foi utilizado no artigo, porque alguns entendem a palavra como designadora do deus judaico-cristão ou Jeová. Para não excluir nenhum dos milhares de deuses adorados pelo mundo essa palavra não foi utilizada.

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Fontes consultadas pelo autor do original:

http://www.infidels.org/news/atheism/logic.html

http://www.str.com.br/Scientia/falacias.htm

http://www.str.com.br/Scientia/falacias2.htm

Dicionário Houaiss

Darwin Magazine

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