Frank Drake e sua equação (foto: divulgação).
Na minha palestra “Vida na Terra e Vida Extraterrestre”, cujo resumo pode ser conferido
neste blog (e lembrando que todos os leitores são livres para
divulgá-lo e mesmo imprimi-lo, desde que mantidos os devidos
créditos), mencionei a famosa equação do Professor Emérito de
Astronomia e Astrofísica pela Universidade da Califórnia e grande
amigo de Carl Sagan (1935-1996), Dr. Frank Donald Drake. Essa equação
visa estimar a quantidade de civilizações extraterrestres cujo
nível tecnológico permitiria a emissão de sinais de rádio a nível
galáctico e, consequentemente, um possível contato com o planeta
Terra. Como complemento ao material supracitado e principalmente para
maiores esclarecimentos, tomei a decisão de apresentá-la, incluindo
as mudanças que ocorreram na mesma desde quando foi elaborada, em
1961.
A Equação de Drake,
como ficou conhecida, se popularizou por meio da série de TV e do
livro “Cosmos” (1980) de Sagan, além de ter sido divulgada em
numerosos outros livros sobre Astronomia, bem como de pseudociência,
como “Eram os Deuses Astronautas?” (1968) de Erich Von
Däniken, em revistas de ufologia etc. Apesar de figurar em algumas
publicações de credibilidade duvidosa (que via de regra, distorcem
tendenciosamente os seus resultados, como veremos a seguir), a
equação é séria, bem fundamentada e, diga-se de passagem,
extremamente simples:
Onde as
estimativas originais de Drake foram as seguintes:
R* = número de estrelas da Via Láctea. Estimativa:
200 bilhões.
fp = fração estimada de estrelas com planetas
orbitando ao redor (0,5).
ne = fração estimada de planetas em um dado sistema,
ecologicamente adequados para o desenvolvimento de vida (entre 0,1 e
1,0).
fl = fração estimada de planetas onde a vida se
desenvolveu (entre 0,1 e 1,0).
fi = fração estimada de planetas onde se desenvolveu
vida inteligente – consciência, raciocínio e cultura. (1,0).
fc = fração estimada de planetas habitados por vida
inteligente onde se desenvolveu uma civilização capaz de se
comunicar (0,1 a 0,9).
L= fração estimada de tempo em que essa civilização
enviou sinais (0,000001).
N= número estimado de civilizações tecnicamente
avançadas na Via Láctea (100 mil).
Pseudocientistas e
charlatões dos mais diversos tipos adoram distorcer esse valor
final, indo de resultados que vão de 200 mil até a casa dos
milhões. Justamente pela sua simplicidade, a Equação de Drake
possui variáveis que permitem uma gama considerável de resultados.
Isso porque Drake estava preparado para possíveis descobertas
científicas que pudessem alterar o resultado inicialmente obtido. De
fato, ele nunca afirmou que esse número era definitivo. Na verdade,
nenhum cientista realmente ético faria algo semelhante numa situação
dessas. E é de conhecimento geral como pessoas de má fé utilizam
brechas em coisas que vão de legislações a teorias científicas
para criar seus embustes. Entretanto, muitos pesquisadores,
especialmente da área das ciências biológicas, observam que ele
foi por demais otimista nas suas conclusões. Na verdade, ele
realmente cometeu um equívoco muito comum por parte daqueles que não
estão familiarizados com a evolução biológica.
Antes, porém,
comentarei outras alterações feitas na equação ao longo dessas cinco décadas. Duas delas são particularmente interessantes,
apesar de interferirem pouco no resultado estipulado por Drake. O astrofísico norte-americano Michael Seeds no
seu livro “Horizons: Exploring the Universe” (1993) relaciona o número
de estrelas atualmente existente na galáxia, N*, com a taxa
de formação de estrelas. Em 2005 Alexander Zaitsev, engenheiro e
astrônomo da Academia Russa de Ciências incluiu as variáveis
nr (“Número de Reaparição”, o número médio de vezes
que uma civilização nova reaparece no mesmo planeta após a
extinção de uma civilização anterior, que teria surgido uma única
vez) e fm (“Fator de Comunicação”, a fração de
civilizações comunicativas que realmente se interessariam por
transmissão interestelar), logo após a variável fc.
Esses fatores provocam uma alteração mínima no resultado final (no
máximo um aumento de 1%), mas especialmente as duas novas variáveis
merecem atenção, uma vez que o ser humano não se comunica
ativamente por sinais de rádio interestelar (com única exceção do
episódio do radiotelescópio de Arecibo, o projeto SETI apenas
recebe sinais, não os envia) e a possível extinção de uma
civilização seguida pela ascensão de outra é um fator a ser
considerado.
A coisa realmente
começou a mudar quando vários astrônomos e astrofísicos
perceberam o risco de colisão ou severa mudança climática causada
por perturbação gravitacional decorrente da aproximação a algum
objeto massivo. Óbvio que a gravidade exercida pela estrela não
permite que um planeta escape da sua órbita e saia vagando por aí.
Ocorre que as estrelas também se movem. As galáxias estão sempre
em movimento. E existe o risco real de uma colisão ou
desestabilizadora aproximação com outra(s) estrela(s), inclusive de
que os planetas que orbitam a estrela em questão colidam com outras
estrelas ou com planetas de outras estrelas, ou sejam bombardeados
por objetos semelhantes à nossa nuvem de Öort ou nosso cinturão de
Kuiper, entre outros fatores que poderiam extinguir a vida num
planeta qualquer. Além disso, não se pode esperar que a órbita do
Sol ou outra estrela localizada nas regiões periféricas da galáxia
sejam estáveis a longo prazo. Esse fator torna o resultado final no
mínimo 100 vezes menor daquele que Drake presumiu.
Mas o fator que altera
definitivamente o resultado da Equação de Drake diz respeito à
evolução da vida na Terra. Drake estipulou que o surgimento de vida
considerada inteligente seria inevitável num planeta onde
simplesmente a vida já existisse (fi = 1,0, ou seja,
100% de chance). Contudo, o atual conhecimento sobre os processos
evolutivos mostra que acreditar nisso seria no mínimo ingênuo. No
último capítulo do seu livro “Vida Maravilhosa” (1989), o
paleontólogo norte-americano Stephen Jay Gould (1941-2002) aponta
que a história da vida na Terra apresentou muitas possibilidades,
das quais poucas sobrevivem nos dias atuais. Ele propõe imaginarmos
essa história como um filme, onde podemos retornar e pausar certas
cenas, observando que pequenas mudanças nelas poderiam fazer toda a
diferença. A hipótese da Terra Rara, que surgiu com o livro de
mesmo nome (Ward & Brownlee, 2000) expõe de maneira bastante
didática porque a vida multicelular seria um fenômeno raro, ainda
que a vida formada por seres unicelulares possa ser relativamente
comum no universo. Conforme explico no material supracitado, a
evolução biológica não possui qualquer direção ou propósito, e
uma pequena mudança durante o processo (extinções em massa, troca
de material genético etc) pode alterar todo o seu curso. Ela é
marcada pelo acaso. Como dito anteriormente, trata-se um equívoco
relativamente comum por parte dos não biólogos. Os críticos podem
argumentar que conhecemos apenas um tipo de vida e que o universo
pode conter vida totalmente diferente daquilo que conhecemos como
vida, inclusive com uma evolução totalmente diferente. Todavia,
isso não muda os fatos. Primeiro porque não temos qualquer
evidência de tais formas de vida. Segundo porque as hipóteses nesse
sentido, como as que lidam com elementos químicos que possam
substituir aqueles que conhecemos como constituintes básicos do
seres vivos (silício no lugar do carbono, arsênio no lugar do
fósforo etc.), mostram que essa suposta vida exótica seria ainda
mais rara. E terceiro que uma provável biosfera diferente de tudo
aquilo que conhecemos como vida será tratada como algo diferente,
talvez até mesmo dando origem a toda uma nova área da ciência para
estudá-la.
O fator do acaso
relacionado à evolução biológica faz com que o resultado final da
Equação de Drake seja um modesto número entre 0 e 10. Alguns
pesquisadores arriscam um valor de apenas duas civilizações
avançadas na nossa galáxia capazes de se comunicar conosco
(resultado = 2,31). Há aqueles que afirmam que sejamos únicos na
Via Láctea. E há ainda os mais otimistas, defendendo a existência
de um número maior de civilizações menos avançadas, com as quais
não poderíamos nos comunicar – um número que poderia chegar a
200. De qualquer maneira, se não estamos sozinhos, nossos vizinhos
mais próximos devem estar a muitos anos-luz de distância.
Bibliografia
recomendada:
DAWKINS, Richard, A
Grande História da Evolução, Companhia das Letras, 2009.
GOULD, Stephen Jay,
Vida Maravilhosa, Companhia das Letras, 1990.
SAGAN, Carl, Cosmos,
Villa Rica,1983.
SEEDS,
Michael A. e BACKMAN, Dana, Horizons:
Exploring the Universe, Brooks Cole,
12º ed., 2012.
WARD, Peter D. e
BROWNLEE, Don, Terra Rara, Campus, 2000
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