segunda-feira, março 14, 2011

SOBRE DESASTRES NATURAIS E O ANTROPOCENTRISMO

Imagem do tsunami que varreu a costa nordeste do Japão, na última sexta feira.

Fenômenos naturais de considerável magnitude, especialmente quando fazem vítimas, costumam suscitar além de alerta e comoção, questionamentos diversos. Não poderia ser diferente com o terremoto (o maior da história do país), seguido de um tsunami de cerca de dez metros de altura e mais de 350 tremores secundários, ocorridos na região nordeste do Japão no último final de semana – escrevo este texto no final da noite de domingo e acabo de saber da aproximação do segundo tsunami e da explosão na usina nuclear em Fukushima. Entre as várias questões levantadas sobre essa tragédia, talvez a mais visível seja a sugestão de que a proximidade de tantos fenômenos semelhantes (como os terremotos recentes do Chile e do Haiti) sejam consequência da degradação ambiental promovida pelo ser humano.
Minha experiência como professor bem como minhas incursões na área de educação ambiental tem me revelado um número cada vez maior de pessoas muito bem intencionadas, mas repletas de informações equivocadas sobre os mais diversos assuntos. E isso, é sempre bom esclarecer, independente da escolaridade ou “nível cultural”. Nos últimos dois dias, lendo as seções de e-mails e cartas dos jornais de grande circulação, notei essa idéia de que terremotos e maremotos teriam sua origem na ação humana aparecendo com relativa frequência. Num deles, até um colunista dizia pensar o mesmo, ainda que com assumida e sensata cautela. Não obstante o quão importante é constatar o crescimento da consciência ambiental na população mundial como um todo nas últimas duas décadas, tal idéia não faz o menor sentido. Influenciada em igual medida pela onda do politicamente correto (especialmente, mas não apenas, no Brasil), o ecoterrorismo inconsequente de alguns grupos e a formação sistemática de uma horda cada vez maior de indivíduos que possuem um grande número de informações superficiais sobre quase tudo sem conhecer realmente nada (naquele que talvez seja o maior efeito colateral da velocidade vertiginosa com que a informação circula hoje), a defesa de que o homem seria o principal responsável por tudo que mata os seus semelhantes vem ganhando força. Os mais exaltados chegam a enxergar “sinais” em tais eventos. Nos parágrafos seguintes, tentarei expor os três principais motivos que explicam porque o homem nada tem a ver com a origem ou causas de tais fenômenos. Na verdade, trata-se basicamente de uma falsa impressão, originada da tendência humana de não olhar para nada além do seu próprio umbigo.
Começarei pela força motriz de tudo isso: a natureza. Está acontecendo mais tremores e tsunamis hoje que em qualquer outra época, certo? Errado. Na verdade o estudo sobre a movimentação das placas tectônicas vem mostrando que o número de tremores e eventos relacionados, como erupções vulcânicas, tem diminuído ao longo da história da Terra. A grande questão é que quando eles ocorriam em maior número, ou ainda não existiam no planeta pessoas para presenciá-los ou elas ainda eram em número bem menor e viviam em grupos dispersos. Lembremos que nossa espécie está aqui há pouco mais de 100 mil anos, dentro dos 4,5 bilhões de anos de existência da Terra e 3,6 bilhões de anos de vida na mesma. Ou seja, em termos geológicos, chegamos aqui ontem. Inclusive, alguns dos grandes episódios de extinção em massa no nosso planeta (foram cinco ao todo) tiveram sua origem exclusivamente em eventos internos. E nem me refiro àquele velho conhecido da cultura popular (a extinção cretácio-terciária, há 65 milhões de anos, que vitimou os dinossauros e diversos outros tipos de animais e plantas – esses últimos quase sempre omitidos pela imprensa e esquecidos do grande público), tendo em vista que ainda há um intenso debate em torno de que a causa do mesmo teria sido ou não um agente externo – a título de esclarecimento, não há dúvidas que ocorreu o célebre impacto de um enorme meteoro, mas alguns especialistas sustentam que a extinção já se fazia presente quando ele ocorreu, configurando-o como apenas um “golpe de misericórdia”. O que a maior parte do público não especializado desconhece é que antes do aparecimento dos dinossauros e do grupo ao qual pertencemos (os mamíferos) a vida no nosso planetinha azul literalmente quase desapareceu. Há cerca de 230 milhões de anos, a extinção permo-triássica dizimou 90% dos seres que viviam em terra, rios, lagos e oceanos. Sem dúvida, uma cifra que faz as últimas catástrofes naturais registradas parecerem fichinha. Nunca houve na Terra mortandade sequer próxima disso – a extinção cretácio-terciária levou cerca 60% dos seres vivos de então. E, obviamente, causada por eventos naturais.
Conforme abordei no meu texto Sobre Fé, Divindades e Epiderme, a cultura predominante nas nações ocidentais (e que hoje influencia também boa parte do Oriente) tende a ver o ser humano como o centro do universo e um ente externo aos outros aspectos naturais. Tudo existe em função ou foi feito para o deleite da espécie humana. A essa visão de mundo damos o nome de antropocentrismo (de anthropos = "homem" ou "humano"). Mesmo com a maior consciência ecológica atual, a maioria das pessoas vê a humanidade como algo especial entre as outras criaturas. Basta notarmos o grande número de pessoas sabidamente de boa índole que não aceitam de forma alguma serem comparadas aos outros animais, quanto mais saber que é um animal. Por vezes esse antropocentrismo se manifesta de forma sutil e até inconsciente, com o indivíduo excluindo automaticamente da sua memória todos os eventos catastróficos que não inclua outros seres humanos. Isso explica, em parte, essa sensação enganosa de que acontecem mais terremotos, maremotos, erupções vulcânicas e eventos similares hoje que em outras épocas.
Outro fator importante é a diferença da quantidade de informação e a velocidade com que a mesma circula hoje do que era feito há duas ou três décadas. Atualmente recebemos todo tipo de conteúdo, de qualquer parte do mundo, em questão de segundos. E numa quantidade tão grande que é simplesmente impossível assimilarmos tudo, sendo obrigados a selecionar aquilo que seria realmente útil ou de interesse mais urgente. No século XIX notícias importantes poderiam demorar mais de duas semanas para chegar à população – e isso se fosse do interesse do então governo divulgá-las. Quando eu era criança, na década de 1980, temas de pesquisa tinham que ser garimpados durante horas nas bibliotecas. Hoje, basta ligarmos o computador. E basta o conhecimento (ou indicação) de alguns bons sites de referência para obtermos uma parte substancial daquilo que precisamos. Mesmo os livros estão mais acessíveis, com os ebooks, cópias de obras que já são de domínio público e compras on-line das obras impressas. Como me disse certa vez uma das pessoas mais sábias que tive a oportunidade de conhecer, hoje em dia já não há mais grandes segredos, pois eles migraram para a internet e as livrarias, ficando ao alcance de todos. A menos que você viva totalmente isolado da civilização, informações sobre os fenômenos naturais de maior impacto é parte integrante do seu cotidiano.
O terceiro e último aspecto diz respeito ao nosso domínio demográfico do planeta. Nossa espécie não só se espalhou por praticamente toda a superfície da Terra como não existe mais isolamento entre as nações – ou seria mais correto dizer que vivemos, ao menos sob o ponto de vista da informação, numa grande nação global? Há menos de um século, boa parte das grandes catástrofes naturais sequer chegava ao conhecimento das pessoas comuns. Em alguns casos porque ocorriam em locais onde não viviam seres humanos, em outros porque estes viviam em comunidades muito pequenas e/ou isoladas. Hoje é praticamente impossível não detectar os eventos naturais que ocorrem pelo mundo. E mais, alguns países extremamente populosos como o Japão e boa parte do Sudeste Asiático se localizam em regiões propícias a maior incidência de tremores, por estarem sobre a junção de placas tectônicas. Logicamente, eventos de maiores proporções nesses locais acabam vitimando muitas pessoas. O número elevado de mortos traz a falsa impressão de que esses eventos estariam aumentando ou ficando piores, sendo que na verdade apenas morreu mais gente, justamente porque lá havia muita gente.
Confesso que essa idéia errônea tão repetidamente proferida por boa parte das pessoas nos últimos anos muito me incomoda. Mas vejo que tem seu lado positivo: mostra com bastante clareza onde e como aqueles que atuam com divulgação científica precisariam trabalhar para que tal quadro se reverta. Sim, é cada vez maior o número de evidencias que ligam as ações humanas às alterações climáticas das últimas décadas. Mas alterações climáticas e movimentos tectônicos possuem origens completamente distintas. Já posso ouvir os brados dos pesquisadores de Wikipedia: “Mas alguns testes com mísseis nucleares causaram tsunamis”. Isso é fato. Como também é fato que a grande maioria dessas ondas gigantescas é causada por tremores naturais. Desastres naturais sempre ocorreram. E com muito mais freqüência que nos dias atuais. A única diferença é que eles nunca mataram e desabrigaram tanta gente. Simplesmente porque há muito mais gente no mundo e praticamente não há mais regiões desabitadas. O planeta encontra-se superlotado.
Em plena era digital, vivemos um novo tipo de antropocentrismo, uma fantasia megalomaníaca disfarçada de inocência (típica da hipocrisia atualmente dominante), um esoterismo pop new age disfarçado de ciência e repleto de “sinais”, aonde o Homo sapiens é visto como o responsável direto por tudo que ocorre no planeta. Até pelo que está muito além do seu alcance. Mesmo com toda a informação e esclarecimento disponíveis, continuamos a acreditar na inexistência de eventos sobre os quais nada podemos fazer e atribuir à nossa espécie poderes quase divinos. De fato é mais fácil culpar o homem do que aprender a respeitar verdadeiramente a natureza, começando por praticar aquilo que se prega. A dinâmica da crosta terrestre independe do que um pretensioso primata bípede e pelado pensa dela. Só resta a ele criar maneiras de evitar o pior nos locais onde a terra inevitavelmente se moverá de maneira nada amigável.

5 comentários:

Bondgirlpatthy 007 disse...

Querido é óbvio q a ação humana provoca tb esses terremotos mas a natureza tb anda "enfurecida". Francamente não acredito q o mundo vai acabar em 2012 mas sim, sofrerá transformações e por isso essas manifestações naturais ocorrem, E bem que o homem poderia colaborar com a natureza para diminuir os efeitos devastadores dos tsunamis e terremotos. Bjs

Átila Oliveira disse...

Desculpe, Patthy, mas pra mim esse papao sobre 2012 é uma grande pataquada. E pior, com a qual muita gente está ganhando dinheiro de maneira nada nobre.

Bondgirlpatthy 007 disse...

Eu tb não acredito nessa "barca furada" de fim do mundo. Diziam q o mundo ia acabar no ano 2000 e cá estamos nós. O q devia ter fim era essa indústria de boataria sobre isso q só vai custar $$$ p/ os desavisados e enriquecer os espertalhões de plantão. Acho q não fui mto clara no meu comentário anterior. Q bom q vc gostou do seu presente, mais do q merecido. E se quiser reproduzir esse texto (ou parte dele) em seu blog, está devidamente autorizado. É mto bom tb receber seu carinho todos esses anos. Te adoro querido Dino. Bjsssssssssssssssssssssssssss

Ritinha disse...

Olá Atila!
Muito bom conhecer seu blog!
Gostei muito do texto e adorei o "pretensioso bípede pelado"!
Com o planeta super lotado, fica dificil o número de mortos e o impacto serem pequenos...

Também sou bióloga,professora e amiga do Azhiel.
Nos vemos por aqui!
Abraço!

Átila Oliveira disse...

Seja muito bem vinda Biorita.
É sempre bom contar com a visita de colegas. Fico feliz que tenha gostado do texto.
Abraço.

BlogBlogs.Com.Br