Resumo da apresentação realizada no evento 30 Anos de Cosmos, dia 02 de outubro de 2010, no Auditório da Estação Ciência, às 15h00min.
Palestrante: Átila Oliveira da Silva.
Poucas coisas na Terra são tão fascinantes quanto a
diversidade de seres vivos que a povoa. E um dos maiores mistério da ciência é,
certamente, como a vida teria surgido. Embora hoje já se tenha uma idéia de
quando a vida terrena começou, ainda não sabemos como esse fenômeno tão
singular teve origem. O mistério torna-se ainda maior se pensarmos na vida não
apenas no nosso planeta, mas no universo. Seria a vida um fenômeno universal ou
localizado? Seria a vida uma exceção e não a regra no cosmo? Seria a vida
exclusividade do planeta Terra? É possível que haja vida em outros planetas? Se
sim, esses seres seriam parecidos conosco? Existe vida em Marte?
O astrônomo e divulgador da ciência Carl Sagan (1935-1996)
tinha especial interesse na busca por vida extraterrestre e se uniu a
especialistas de diversas áreas numa verdadeira caça a evidências nesse
sentido, ao mesmo tempo em que repudiava formas não científicas de fazê-lo. Tal
atitude pioneira é considerada a semente da área de pesquisa científica
interdisciplinar hoje conhecida como Astrobiologia – o estudo da origem,
evolução, distribuição e futuro da vida no universo. Entre os aspectos mais interessantes
dessa ainda nova área da ciência seria a busca pela química pré-biótica, ou seja,
das condições formadoras da vida. Descobertas nesse sentido em outros planetas ajudariam
a compreender a própria origem da vida na Terra. Trata-se, contudo, de uma
tarefa um tanto ingrata. Afinal, como procurar vida no universo se não conhecemos
praticamente nada sequer da nossa própria galáxia, a Via Láctea?
Em 1960, o então astrofísico da Universidade de Cornell
Frank Donald Drake, grande amigo de Carl Sagan, deu início ao projeto SETI
(Search for Extra-Terrestrial Intelligence ou Procura por Inteligência
Extra-Terrestre, em português), que propunha a busca por ondas de rádio que
pudessem indicar a presença de civilizações extraterrestres tecnologicamente
avançadas. Drake acabou, com o seu trabalho, inspirando o amigo a escrever o
célebre romance de ficção científica “Contato” (1985). O primeiro e mais famoso
sinal supostamente inteligente foi recebido por Jerry R. Ehman, pesquisador
voluntário, num projeto da Universidade do Estado de Ohio, na noite de 15 de
agosto de 1977. Ao analisar os dados registrados na impressora, Jerry notou a
chegada de um forte sinal recebido pelo telescópio. Imediatamente, destacou-o
com um círculo e escreveu à margem a interjeição: "wow!" (“uau!”). O
sinal se repetiu apenas uma vez, mas passou a ser considerado o mais forte
indício de uma fonte artificial de sinais de rádio. Todavia, como é de praxe
quando se faz ciência de verdade, tais sinais devem ser analisados com cautela.
É de fundamental importância, para estudar a possível
existência de vida fora da Terra, entender como ela se desenvolveu e se diversificou
por aqui. Os naturalistas ingleses Charles Robert Darwin (1809-1882) e Alfred
Russell Wallace (1823-1913) foram os pioneiros a mostrar de maneira científica
que os seres vivos se modificam, por meio de processos evolutivos. Darwin foi
quem apresentou a conclusão sob a forma de teoria científica (“A Origem das
Espécies e a Seleção Natural”, 1859), que só vem ganhando força com descobertas
posteriores, principalmente na área da genética. No século XX, o biólogo alemão
Ernst Mayr (1904-2005), foi o grande responsável pela atualização da teoria da evolução,
ao somar à mesma os conceitos modernos de ecologia e genética. No final desse
mesmo século, surgiram grandes divulgadores do tema junto ao grande público,
como o paleontólogo norte-americano Stephen Jay Gould (1941-2002) e o zoólogo
britânico Richard Dawkins. O próprio Carl Sagan abordou a evolução biológica
com sua didática magistral na sua série televisiva “Cosmos”.
Para saber como os seres vivos evoluíram em nosso planeta, é
preciso antes conhecer a estrutura celular dos mesmos. Quanto à organização
celular, os seres vivos dividem-se em procariontes e eucariontes. Os primeiros
são os mais simples, cujo núcleo celular (que abriga o material genético, o
DNA) não é envolto por uma membrana, denominada carioteca. Esse grupo é formado
pelas bactérias e cianobactérias – também conhecidas como “algas azuis”,
responsáveis por cerca de 90% do oxigênio que respiramos. Os eucariontes, por
sua vez, possuem carioteca e uma série de organelas celulares. São eucariontes
todos os seres multicelulares (compostos por várias células, como os animais e
as plantas) e os seres unicelulares mais complexos como os protozoários (amebas,
paramécios etc.) e algumas algas. Recentemente, um grupo de seres vivos, outrora
classificado como bactérias, ganhou um domínio próprio. Denominados arqueobactérias
ou, mais adequadamente, Archaea
(pronuncia-se “arquéia”), eles são ainda mais simples que as bactérias e foram
separados destas na classificação biológica por ter-se concluído que são tão
diferentes delas quanto elas o são de todas as outras formas de vida. Para
efeito de organização celular, contudo, os archaea ainda são classificados como
procariontes. Esses seres estão muito próximos daquilo que seria as primeiras
formas de vida e é nesse grupo que figuram a maioria dos denominados
extremófilos; seres que vivem em condições extremas de temperatura, pressão,
salinidade e acidez, dentre outros fatores. A descoberta dos extremófilos abriu
um novo campo de pesquisa na busca por vida extraterrestre. Verdade que há um
tipo de ser ainda mais simples que os archaea: os vírus, que são pouco mais que
material genético (DNA ou RNA) envolto por uma cápsula de proteína. Contudo,
eles não podem ser relacionados com as primeiras formas de vida, pois todo
vírus é obrigatoriamente parasita, necessitando infectar células vivas para se
reproduzir.
Infelizmente, a maior parte do público leigo possui várias
idéias equivocadas a respeito da evolução da vida na Terra, muitas das quais
remetendo a interpretações que já foram revistas e corrigidas há décadas no
meio acadêmico. É preciso eliminar tais concepções errôneas para que se possa
entender o estudo da vida como um todo, incluindo o de possíveis formas de vida
extraterrestres.
O primeiro desses equívocos é acreditar que a evolução da
vida na Terra deu-se de forma lenta e gradual. O próprio registro fóssil mostra
que a coisa foi bem diferente. Tendo surgido a cerca de 3,8 bilhões de anos, a
vida terrena foi composta exclusivamente por seres procariontes até 1 bilhão de
anos, ou seja, quase três quartos da sua história. Esse é o provável momento do
surgimento dos primeiros eucariontes, sabidamente unicelulares. Após isso a evolução
acelerou-se de maneira espantosa, com os primeiros seres multicelulares (algas)
surgindo há 600 milhões de anos, e os primeiros animais (a fauna de Ediacara)
há cerca de 580 milhões de anos. Esses últimos sofreriam um grande surto de
diversidade de tipos anatômicos (a chamada “Explosão Cambriana”) há 540 milhões
de anos. Dinossauros, bem como os répteis voadores e marinhos foram extintos há
65 milhões de anos. Os primeiros primatas surgiram há 55 milhões de anos e a
nossa espécie, o Homo sapiens, há 150
mil anos. Se compararmos a idade da Terra com o calendário que usamos, o homem teria
surgido nos últimos segundos do dia 31 de dezembro. Como se vê, a evolução da vida
em nosso planeta não foi gradual e, se a célula eucarionte não tivesse se
formado, é bem provável que a biosfera se encontrasse praticamente inalterada
hoje, com a Terra povoada exclusivamente por archaea e bactérias. A formação da
primeira célula eucarionte foi como um tiro no escuro; um evento totalmente
casual que acabou fazendo toda a diferença. Stephen Jay Gould, em artigo
publicado na revista “Scientific American” em 2001, afirmou que na verdade os
procariontes seriam as formas de vida mais vitoriosas, pois “apresentam maior
variabilidade bioquímica que todos os outros grupos, existem virtualmente em
todos os lugares e são praticamente indestrutíveis”. Os verdadeiros donos da
Terra. É essencial saber disso ao se buscar indícios de vida pelo universo
afora.
Igualmente presente no senso comum é a imagem da evolução da
vida como uma árvore, com um tronco frondoso e numerosos galhos no topo. Essa
imagem baseia-se na idéia ultrapassada de que a vida no planeta Terra seria hoje
muito mais diversificada que no passado. Isso também não é verdade. Provavelmente,
hoje o número de espécies de seres vivos é maior que em qualquer outra época,
mas a diversidade de tipos anatômicos básicos é muito inferior ao que já
existiu. Isso é ainda mais evidente no Reino Animal, onde a maioria dos tipos
surgidos na Explosão Cambriana durou poucos milhões de anos, alguns poucos
duraram um pouco mais e um número ainda menor sobrevive atualmente. A imagem
moderna da evolução da vida na Terra seria muito mais semelhante a um arbusto,
com um número muito maior de galhos próximos à sua base, como se pode ver na
figura abaixo.
Representação moderna da evolução da vida na Terra, onde se pode observar o tempo (milhões de anos, eixo vertical) e a diversidade anatômica (eixo horizontal), por David Starwood, baseado em informações de Stephen Jay Gould (2001).
Por fim, outro equívoco bastante freqüente é achar que a
evolução possui um propósito e, mais ainda, que esse propósito seja a criação
de seres bípedes e inteligentes, capazes de erguer civilizações. Esse
pensamento vem da tendência humana de se ver como padrão a ser seguido pelas
outras formas de vida. Nossa espécie não pode ser considerada o “ápice da
evolução”, mesmo porque não existe ápice nenhum. A evolução biológica não possui
qualquer direção ou propósito, a não ser a adaptação do indivíduo ao seu meio
ambiente. E isso independe da complexidade. Determinados nichos ecológicos favorecem
seres mais simples. Isso pode ser verificado facilmente nos parasitas. Para cada
ser de vida livre que se torna mais complexo há um equivalente parasita
perdendo estruturas e até sistemas inteiros para tirar melhor proveito do
hospedeiro. Ambos estão evoluindo, pois originam novas espécies, mais adaptadas
aos seus respectivos habitats. De fato, se há algo previsível na evolução
biológica, seria justamente a sua imprevisibilidade.
Para que algum corpo celeste possa abrigar vida como
conhecemos (digo isso pelo fato da ficção científica já ter nos brindado com
excelentes idéias sobre vida totalmente diferente daquilo que conhecemos) ele deve
obedecer seis condições básicas, a saber:
- Localização na chamada Zona de Habitabilidade (região correspondente à determinada distância dos planetas com relação à estrela que orbitam, onde a gravidade e temperatura seriam teoricamente propícias à vida, e que no nosso Sistema Solar corresponderia da órbita de Vênus à órbita de Saturno);
- Superfície rochosa (o que já exclui todos os planetas gasosos);
- Presença de atmosfera (uma vez que todos os seres vivos respiram algum tipo de gás);
- Presença dos elementos químicos carbono (C), hidrogênio (H), nitrogênio (N), oxigênio (O), fósforo (P) e enxofre (S) - matéria prima para a formação das proteínas (formadas por aminoácidos) e açucares; estrutura básica dos seres vivos;
- Presença de água líquida (pois todos os seres vivos, sem exceção, precisam de alguma porcentagem de água líquida para o seu metabolismo);
- Temperatura da litosfera entre -150°C e 100°C para os seres vivos em atividade – lembrando que há espécies (incluindo alguns animais) capazes de sobreviver por meses ou anos em temperaturas maiores ou menores, ao ficarem inativos, em fenômenos como a cristalização e a criptobiose.
Com base nessas informações, nosso Sistema Solar apresenta,
até o momento, quatro possíveis candidatos a abrigar vida: o planeta Marte, a
lua de Júpiter Europa e as luas de Saturno Encélado e Titã. Marte, justamente
por se ter um maior número de informações a respeito, é o que apresenta maiores
possibilidades. Recentes descobertas confirmaram que ele apresentou grandes corpos
de água líquida no passado (hoje presente apenas sob a forma de gelo) e são grandes
as chances de que ao menos há milhões de anos ele tenha abrigado vida unicelular.
Titã é considerada muito similar a Terra em seus primórdios, e ganhou notoriedade
em 2010 com a descoberta de fenômenos químicos que, talvez, possam indicar
atividade biológica na sua superfície, sob sua densa atmosfera e grandes lagos
e mares de metano e etano. Já Encélado e Europa, apesar da descoberta de água (na
primeira sob a forma de gelo e gêiseres e na segunda formando um grande oceano
sob uma camada de gelo de 5 km
a 10 km
de espessura) e de matéria orgânica (baseada em carbono, que é sempre bom lembrar,
não é garantia nenhuma da existência de formas de vida) em ambas, apresentam
como ponto desfavorável à vida como conhecemos suas atmosferas extremamente rarefeitas.
Em 2000, o paleontólogo Peter D. Ward e o astrofísico Donald
Brownlee, ambos da universidade de Washington, jogaram luz sobre o tema e,
paralelamente, conquistaram o ódio dos fanáticos por ETs e discos voadores, ao
lançarem o livro “Terra Rara” (vide abaixo, em Referências). Com um estudo detalhado, os dois pesquisadores
concluíram que a vida unicelular (notadamente os extremófilos) pode ser
relativamente comum no universo, mas a vida multicelular seria algo
extremamente raro, e aquilo que poderia se chamar de vida inteligente, se
existe, seria ainda mais raro e, com certeza, nada teria de humanóide (bípede,
uma cabeça, um par de braços e um par de pernas). Essa conclusão corrige, entre
outras coisas, o erro cometido por Drake ao elaborar sua famosa equação, em
1961, com que propunha calcular a probabilidade da existência de civilizações capazes
de emitir sinais de rádio para o espaço, na Via Láctea. Sagan simpatizou com a equação
e passou a divulgá-la - muita gente ainda hoje pensa que foi Sagan quem a
elaborou. Drake chegou à otimista cifra de 100 mil civilizações, que fez os ufólogos
darem pulos de alegria. Aliás, alguns charlatões do ramo adoram distorcer esse
valor, fazendo-o alcançar a casa dos milhões. Ocorre que os dois astrônomos
erroneamente concluíram que toda vida unicelular obrigatoriamente um dia
evoluiria para uma espécie capaz da emissão de tais sinais. Como acabamos de
ver, a evolução não possui qualquer propósito ou caminho definido, tampouco
visa criar seres considerados inteligentes. A verdade é que a espécie humana é
uma exceção evolutiva e não a regra. Já vimos como seria a vida por aqui se a célula
eucarionte nunca tivesse surgido. E sua aparição não constitui garantia alguma
do surgimento de uma espécie capaz de criar cultura e tecnologia. Pegando
apenas mais um exemplo, se os dinossauros não tivessem sido extintos, você não
estaria lendo esse resumo agora – e ao contrário do que vemos em certas
produções hollywoodianas, nada indica que eles seguissem esse caminho evolutivo
tão antropocêntrico. Contudo, seria por demais injusto crucificar Drake e Sagan
por isso, pois todos são passíveis de erro, ainda mais quando não se é um
especialista da área – nesse caso, evolução biológica. Atualizando a equação de
Drake, chegamos ao módico valor entre 0 e 10 civilizações da Via Láctea,
capazes de emitir sinais de rádio para o espaço. Muitos estudiosos defendem que
tais civilizações sequer existam em nossa galáxia.
Carl Sagan certa vez afirmou que se não há vida fora da
Terra, então o universo seria um grande desperdício de espaço. Poucos lembram
(ou sabem), entretanto, que ele referia-se a qualquer forma de vida, e não
especificamente a civilizações extraterrestres. Além de serem os verdadeiros
donos da Terra, como escreveram Gould e outros; é provável que os archaea e as
bactérias (e talvez também outros seres similares, ainda desconhecidos) sejam a
forma de vida mais abundante no universo. E, em algumas galáxias, possivelmente
a única. O primeiro extraterrestre com quem manteremos contato muito
provavelmente será um micróbio. E se existe vida inteligente fora da Terra e se
um dia a encontrarmos, esqueçamo-nos dos alienígenas humanóides baixinhos e
cabeçudos, protagonistas de tantos relatos de procedência duvidosa. As chances
são muito maiores de que essa sábia criatura se pareça mais com um polvo
flutuante, uma coisa amorfa de tonalidades metálicas (baseada em outro elemento
químico que não o carbono), ou mesmo algo tão inusitado quanto o oceano pensante
do romance “Solaris” (1961), do polonês Stanislaw Lem (1921-2006).
Referências:
Ø
ASIMOV, Isaac, Civilizações Extraterrenas, Nova Fronteira, 1980.
Ø
DAWKINS, Richard, A Grande História da Evolução,
Companhia das Letras, 2009.
Ø
GLEISER, Marcelo, Criação Imperfeita, Record, 2010.
Ø
GOULD, Stephen Jay, Darwin e os Grandes Enigmas da Vida, Martins Fontes, 1992.
Ø
GOULD, Stephen Jay, Vida Maravilhosa, Companhia das Letras, 1990.
Ø
SAGAN, Carl, Cosmos,
Villa Rica, 1983.
Ø
SAGAN, Carl, O
Mundo Assombrado Pelos Demônios, Companhia das Letras, 1995.
Ø
WARD,
Peter D. e BROWNLEE, Don, Terra Rara,
Campus, 2000.
Na WEB:
Átila Oliveira da Silva é biólogo, professor e responsável pelo blog Pegadas de Um Dinossauro do Século XXI (atilassauro.blogspot.com)
Contato: atilassauro@yahoo.com.br
4 comentários:
Que palestra magnífica e fascinante, Átila. Parabenizá-lo é pouco... É muito bom você compartilhar os seus conhecimentos dessa maneira.
Obrigado, Andhora.
Fico muito feliz em saber que há pessoas como você, que gostam de compartilhar comigo o pouco que sei. Como já dizia o sábio, o conhecimento não compartilhado e conhecimento inútil. São voc~es que me fazem continuar e não esmorecer.
Não é à toa q as pesquisas espaciais sempre existiram. Com elas podemos obter mto mais respostas do universo a q pertencemos e até de outros. Nos faz refletir sobre mtas coisas. Parabéns por sua palestra e q bom sempre poder contar c/ vc e aprender tanto a respeito da ciência e do universo q tem seus mistérios e fascínios. Bjs
obrigado Patthy. Bjs.
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